sábado, 31 de outubro de 2015

Os Filhos da Luz no 31. 1787. O Crime dos Illuminati. César Vidal. «Certamente, podem ocorrer alguns distúrbios; mas, pouco a pouco, os desiguais chegarão a ser iguais; e depois da tempestade, virá a calmaria. Acaso as consequências mais lamentáveis irão permanecer…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Os Filhos da Luz. Baviera, 1787
«(…) Um pai que não se comportava de acordo com a moral, uma mãe que esquecia suas obrigações, filhos que passavam por cima de seus deveres filiais..., e com o que nos deparávamos? Um desfalque, um adultério, ou até um assassinato. Sim, na verdade, o trabalho de Koch consistia em algo muito parecido com os encanamentos. Justamente por isso, incomodava-lhe que suas camisas não estivessem devidamente passadas, as botas impecavelmente lustradas ou o rosto perfeitamente barbeado. O que tinha agora diante dos olhos dava a sensação de ser outro vazamento intolerável no âmago do edifício social. Tinha-se deparado com ela pedindo os processos atrasados para rever o que estava pendente. Tudo já se achava canalizado num aqueduto de ordem que garantia, mais cedo ou mais tarde, que acabaria sendo resolvido de maneira segura. Tudo, a não ser o processo que agora estava aberto diante de seus olhos. Este, em resumo, de forma intolerável, não trazia número de referência, nem menção ao agente que o tinha começado, nem data de entrada. Era uma pasta nua, perdida no arquivo, era cujo interior jazia o que não deixava de ser uma carta como tantas outras, escrita com tinta preta, com traços regulares, sobre um papel grosso embora não necessariamente caro. Mas o conteúdo era uma outra questão. Nada nos seria mais útil do que uma história da Humanidade que fosse adequada. O despotismo roubou a liberdade. Como os fracos se podem defender? Só através da união, mas esta no fim das contas é rara...
Até ali, a carta apenas repetia os lugares-comuns de tantos inimigos da monarquia e da religião. Todos aqueles disparates sobre a liberdade, o despotismo e os fracos. Inclusive o chamamento em busca da união. No entanto, quando se chegava a esse ponto, aquela carta dava uma guinada importante, totalmente reveladora: Nada pode ajudar a conseguir tudo isto além das sociedades secretas... As sociedades secretas..., repetiu Koch num sussurro enquanto estendia a mão direita até uma xícara de café que repousava sobre a sua limpa e organizada escrivaninha. Por um instante, limitou-se a saborear aquela bebida preta, forte e amarga. Não suportava o café com mel ou com açúcar. Achava que adoçá-lo era uma forma de privar o líquido da sua força, de um vigor que acabava sendo indispensável para aclarar a sua mente. Procurou com a língua qualquer resto de café que pudesse ter ficado no interior da boca e continuou a leitura. As escolas secretas de sabedoria são os meios que um dia libertarão os homens de seus grilhões. Em todas as épocas, foram os arquivos da natureza e dos direitos do homem; e graças a elas a natureza humana se erguerá desse seu estado ruinoso.
Koch bebeu outro gole de café e, enquanto sua boca se franzia num esgar de desprezo, disse: O que é que você sabe, seu pateta, sobre o estado ruinoso da natureza humana? Os príncipes e as nações desaparecerão da face da terra. A raça humana se transformará então numa família, e o mundo será a morada dos Homens racionais. Da face da terra..., disse Koch, que se tinha detido naqueles parágrafos e os repetia várias vezes como se quisesse ruminá-los. Certamente, podem ocorrer alguns distúrbios; mas, pouco a pouco, os desiguais chegarão a ser iguais; e depois da tempestade, virá a calmaria. Acaso as consequências mais lamentáveis irão permanecer justamente quanto os motivos de discórdia tiverem desaparecido? Homens, erguei-vos! Koch passou a mão pela parte de seu rosto em que o barbeiro não tinha demonstrado exactamente um excesso de eficiência. Franziu os lábios com fastio, porque determinou que não ia se deixar distrair. Não podia se permitir isso, sem dúvida. Talvez aquele personagem fosse simplesmente um louco, nunca se podia descartar essa hipótese, mas a experiência lhe dizia que a falta de juízo não só não garantia a segurança como, não poucas vezes, era seu pior inimigo. A Moralidade é que conseguirá tudo isto; e a Moralidade é fruto da Iluminação. Os direitos e os deveres são recíprocos. Se Octávio não tem direito, Catão não tem nenhuma obrigação em relação a ele.
Koch pousou a xicrinha no pires, procurando fazer com que a posição ficasse simétrica. Em seguida, pegou numa pena de ganso que repousava, branca e inflexível, na escrivaninha polida, e a molhou com suave energia num tinteiro gordo de prata. Depois, escreveu numa folha de papel os nomes de Octávio e Catão. Pelo que lhe constava, eram referências ao imperador dos romanos e ao famoso censor, não se tratava de nomes verdadeiros, mas, ao mesmo tempo, sabia que podiam ser pseudónimos de personagens tão tangíveis quanto a poltrona em que se encontrava sentado. A Iluminação nos mostra quais são nossos direitos, e a Moralidade a segue; essa Moralidade nos ensina a crescer, a nos libertarmos, a amadurecer e caminhar sem as amarras de sacerdotes e príncipes. Koch segurou agora a carta com as duas mãos e cravou o olhar na última frase, ...caminhar sem as amarras de sacerdotes e príncipes..., caminhar sem as amarras de sacerdotes e príncipes..., caminhar sem as amarras de sacerdotes e príncipes. Quando se quer dominar uma sociedade, é preciso aniquilar primeiro aqueles que a governam...» In César Vidal, O Crime dos Illuminati, 1958, tradução de António Borges, Relume Dumará, Ediouro Publicações S.A., 2006, ISBN 857-316-6491-3.

Cortesia de RDumará/JDACT