quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe na Raposeira. Ana Maria P. Parente. «Nasce então uma pequena ermida que, depois da visita de Afonso XI, antes da batalha do Salado, em 1340, […] com mosteiro e instalações próprias, entregues, em 1389, aos Jerónimos»


Cortesia de wikipedia

Leitura Decorativa
«(…) Além dos elementos decorativos já referidos, como sejam: no portal principal, as cordas, o encanastrado e o rosto; no óculo, a cruz de braços iguais e centro vazado; no portal lateral sul, mais um elemento em corda; e, por fim, na pia de água benta, a linha quebrada, a cruz e a circunferência; é, no entanto, nos capitéis e chaves da capela-mor que se encontra o maior programa decorativo. Iniciamos a leitura pelos capitéis do lado norte e, assim, encontramos o primeiro (o do arco triunfal) e o segundo, que apresentam, nas arestas, elementos decorativos num só nível e que, embora carcomidos, parecem vegetalistas. Os terceiro e quarto capitéis (os centrais), continuam a ter decoração vegetalista na face anterior dos seus corpos: num, trata-se de uma haste horizontal com folhas carnudas, de nervuras assinaladas por fina aresta relevada; no outro, duas hastes cruzam-se, terminando em forma romboide, como folhas, com nervuras marcadas por arestas em cruz, sendo as intercepções e extremidades bem vincadas por pequenos orifícios. O capitel seguinte apresenta longas folhas, recortadas e curvas, que saem dos ângulos do seu corpo.
A sul, as duas arestas do corpo do capitel do arco triunfal apresentam: de um lado, uma cabeça de bovino, com olhos, narinas, boca e chifres, bem definidos; e, do outro, um rosto humano sobre o comprido, com queixo pronunciado, olhos, nariz e boca, também bem assinalados. O capitel seguinte, o segundo, é atravessado por uma folha oblonga de nervuras peniformes. No corpo do terceiro capitel, em cada aresta, surge um rosto (?) ou máscara (?), envolvido por um modelado singular, trabalhado em três níveis, que sugere barba, ou elemento de vestuário ou armadura. Dos vértices do quarto capitel, e sublinhando as arestas, nascem duas folhas de lóbulos arredondados e de recorte muito profundo. As duas arestas do quinto capitel apresentam folhas bifurcadas, dispostas em dois níveis. Centrado na face anterior do capitel encontra-se um elemento circular, em relevo, de centro vazado e eixos oblíquos, sugerindo movimento de rotação.
As duas chaves, com formas muito irregulares, contêm vários elementos decorativos, mas só alguns são susceptíveis de leitura. Esta dificuldade deve-se principalmente ao estado do material. Apenas uma apresenta elementos figurativos, antropomórficos. São três rostos, um voltado para o centro, com cabelo, colando o seu desenvolvido queixo a um outro pequeno rosto, redondo, com cabelo, olhos, nariz e boca, assinalados. Unindo as duas bocas existe um elemento, não identificável (língua?, fio?, fita?). A terceira face, redonda, colocada diametralmente oposta às anteriores, tem, boca, nariz e olhos, apontados. Da boca, bem aberta, sai uma forma longa (língua?) e fusiforme, com nervuras, que sugere uma folha ou um peixe. Outros elementos semelhantes, com nervuras em fino relevo, em espinhado ou em cruz, completam a composição da chave. No centro repete-se a forma discoidal, com eixos oblíquos, idêntica ao já mencionado num capitel. A outra chave apresenta, exclusivamente, elementos carnudos e recortados. Toda a decoração descrita, tanto vegetalista como figurativa, é extremamente fruste, agravada pela forte erosão que apresenta, para o que contribuiu, sem dúvida, a qualidade da pedra utilizada.

Nossa Senhora de Guadalupe. Possíveis Origens do seu Culto
A leitura integral que tentámos realizar deste monumento, não se cingindo apenas aos elementos figurativos representados, foi o resultado de uma necessidade sentida de articulação entre todas as formas encontradas. Segundo a tradição, o culto de Nossa Senhora de Guadalupe, na Península, remonta à época visigótica, quando o papa Gregório Magno, que lhe era muito devoto, enviou a imagem da Virgem ao bispo de Sevilha, Leandro, por seu irmão Isidoro. Quando da ocupação muçulmana, para que não houvesse profanação, enterraram essa imagem, tendo ela assim permanecido até ser reencontrada por um pastor, no século XIV (a data estimada para o acontecimento situa-se entre 1330 e 1340; para frei Agostinho Santa Maria, a aparição deu-se; umas vezes em 1240, appareceo pelos annos de 1240, pouco mais, ou menos, a Rainha dos Anjos a hum vaqueyro; outras, em 1440, e como a Senhora de Guadalupe se manifestou em Hespanha pelos annos de 1440, pouco mais, ou menos, Lisboa, 1712), em condições ditas milagrosas.
O pastor tinha perdido uma vaca junto ao rio Guadalupe, perto de Cáceres, encontrando-a morta ao fim de três dias de buscas. Fez, como era costume, o sinal da cruz sobre ela, antes de a esfolar para aproveitar a pele, e, eis que o animal volta à vida. Simultaneamente apareceu-lhe Nossa Senhora, que o incumbiu de participar o facto aos padres da sua terra, para que, naquele local, onde escavando encontrariam a imagem, construírem um templo em sua homenagem. O pastor, de regresso a casa, encontrou um filho morto e prestes a ser enterrado. Aos seus rogos dirigidos à Virgem novo milagre se produziu e o filho ressuscitou. Os padres presentes, testemunhas do facto e tomando conhecimento do que já se tinha passado, procederam segundo as indicações recebidas. Desenterraram relíquias, a imagem e uma carta explicativa das razões de se encontrar ali e qual a sua origem. Nasce então uma pequena ermida que, depois da visita de Afonso XI, antes da batalha do Salado, em 1340, foi por ele protegida e transformada em grande centro de peregrinação, com mosteiro e instalações próprias, entregues, em 1389, aos Jerónimos. Poderá ter sido a partir da batalha do Salado, onde Espanhóis e Portugueses, durante o reinado de Afonso IV, lutaram lado a lado como cruzados, e onde o rei português se empenhou pessoalmente, que o culto da Virgem de Guadalupe tenha entrado a nossa fronteira». In Ana Maria Passos Parente, Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe na Raposeira, Excerto da dissertação de Mestrado de História da Arte, Escultura Figurativa na Arquitectura Religiosa do Algarve, na Baixa Idade Média, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, 1987, Revista Medievalista, director Luís Krus, Ano 1, Nº 1, Instituto de Estudos Medievais, FCSH-UNL, FCT, 2005, ISSN 1646-740X.

Cortesia de RMedievalista/JDACT