quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Budismo na obra de Dalila Pereira Costa. Rui Lopo. «Colocando-se a necessidade de reconhecimento ou identificação do eu, Dalila Pereira interroga onde iremos colher o elo que une o eu diurno e o eu nocturno, o ser vígil e o ser onírico»

Cortesia de wikipedia

«(…) O estado a que se chama nirvana, em vez de ser definido como uma experiência de aniquilação deve ser entendido como uma visão da vacuidade de todos os fenómenos, o que não equivale à sua mera inexistência e, assim, à total ausência de sofrimento. Todavia, nas escolas do chamado Grande Veículo, é ensinado que para além do samsara e do nirvana é que reside o Despertar último, a Budeidade perfeita. Só aí se poderá aceder à percepção simultânea da vacuidade e da experiência relativa dos seres condicionados. A identificação do Budismo com uma forma de niilismo constitui assim uma construção filosófica ocidental de oitocentos, ainda mantida por alguns intérpretes que não se deixam persuadir pela contemporânea literatura budológica, de crescente qualidade e consistência teórica.
Em outra obra, mais recentemente publicada, Os Sonhos - Porta de Conhecimento, a mesma questão volta a surgir. Colocando-se a necessidade de reconhecimento ou identificação do eu, Dalila Pereira interroga onde iremos colher o elo que une o eu diurno e o eu nocturno, o ser vígil e o ser onírico. A sua postura metafísica leva-a a experimentar a necessidade de remontar a um substrato sobrenatural que denomina como surexistência. As perdas, as mudanças, deverão ser vistas como aparentes, exteriores e provisórias. A evidência da transformação, e do sofrimento que lhe é inerente, não deverá contudo conduzir a nenhuma espécie de Nada: a certeza da descontinuidade não deverá implicar um caminho de aniquilação mas, pelo contrário, a segura apreensão e possessão da sua continuidade, da sua imortalidade; o conhecimento do Sol transcendente. A autora explicita então o diálogo filosófico que estava travando: Os sonhos serão assim um outro caminho oposto ao niilismo do Budismo. E um outro caminho de ascese. Uma outra prática e aprendizagem de despojamento do nosso eu aparente, visto como o único e verdadeiro, através duma primeira e falsa identificação. Despojamento que é incessante aproximação duma essência transcendente; caminho para a possessão da certeza da nossa imortalidade.
Os sonhos são assim apresentados como uma possibilidade de defrontar face a face o real transcendente, constituindo uma das maiores aberturas sobre a surnatureza, o outro mundo, (...) um momentâneo rasgo da parede de opacidade que nos tapa o outro lado, afim do conhecimento poético e da iluminação. A recusa budista da vida, marcada pela angústia e o desespero, seria assim superada pela via saudosa, definida como humilde e amante aceitação da vida. O Nirvana, como estado de alegria extrema pelo desespero extremo, atingido quando se renuncia a apreender a vida e com ela a si próprio, como eu, terá como pólo oposto a apaziguada sabedoria da iluminação expressa por Camões. A mesma ideia irá ser repetida em uma outra obra sua, afastando-se do anteriormente assumido encontro de tradições e propondo agora, de forma um tanto esquemática, uma clara preferência e uma exclusiva opção: conhecer o que só o Cristianismo trouxe, e nele o franciscanismo, altamente proclamou, como saber e poder de viver na terra, na alegria da união com ela, pelo seu amor, onde tudo é ultrapassado. Onde ela é possuída, mas de forma tão desligada, independente. Então, Buda será vencido pela saudade». In Rui Lopo, A leitura do Budismo na obra de Dalila Pereira da Costa, Estudos, Universidade de Lisboa, Associação Agostinho da Silva, Revista Lusófona de Ciência das Religiões, Ano VI, 2007.

Cortesia da ULisboa/JDACT