O tempo da publicação
«(…) A partir de 1910 e da legislação coeva, a questão
religiosa agudizou-se (de entre uma ampla bibliografia, refiro apenas os
títulos mais recentes: A Guerra Religiosa na Primeira República; Crenças e
mitos num tempo de utopias; A Igreja
perante a lei da separação; Jesuítas e Antijesuítas no Portugal
Republicano; 6. O antijesuitismo
republicano e o seu contexto;7. Revolução
na continuidade»; Entre
antijesuitismo e jesuitismo; O Estado
e a Igreja no tempo de Manuel de Arriaga; O Tempo e Manuel de Arriaga;
Actas do colóquio organizado pelo Centro de Histária da Universidade de Lisboa
e pela Associação dos antigos alunos do Liceu da Horta). E se nem sempre esta
se fundia e confundia com o problema particular dos jesuítas, envolvidos no
apoio ao Partido Nacionalista, era por vezes muito difícil separar as
respectivas áreas (o conde de Bertiandos, por exemplo, a quem o padre Valério
Cordeiro recorre como fonte de informações sobre o paradeiro do autógrafo,
mantinha fortes ligações ao Partido Nacionalista, Jesuítas e Antijesuítas no
Portugal Republicano,). De resto, a partir de 1910, a Galiza, onde em 1916
estava o padre Valério Cordeiro, tornou-se lugar de refúgio para os inacianos expulsos
e, segundo algumas interpretações, também lugar de resistência (a Igreja e a I República, A reacção católica em
Portugal às leis persecutórias de 1910-1911, Didaskalia, Revista da
Faculdade de Teologia de Lisboa).
Por outro lado, na primeira
edição, de Pontevedra, onde também se editaram, durante os tempos mais difíceis
do exílio, a Brotéria e o Mensageiro do Coração de Jesus (depois
de passagens temporárias pela Holanda e pela Bélgica, os jesuítas portugueses,
dirigidos pelo padre Luís Gonzaga Cabral, estabeleceram algumas casas em Espanha
em Santa Maria de Oya, noviciado, juniorado e filosofia, La Guardia, colégio,
S. Martinho de Trebejo, escola apostólica). Cordeiro agradecia aos bemfeitores e bemfeitoras dos Círculos
Catholicos Portugueses da Bélgica, numa clara alusão ao envolvimento nos
movimentos católicos do tempo (a Bélgica era, sobretudo antes da guerra, um dos
países para onde se transferiram colégios portugueses directamente ligados à Igreja;
de acordo com os dados fornecidos por Maria Moura, A guerra religiosa, a
Bélgica tinha, pelo menos, dois colégios masculinos, administrados por
portugueses; um deles prosseguia a acção do Colégio-Liceu figueirense, que fora
obrigado a encerrar a sua actividade em Portugal; uma carta com data de 13
de Março de 1912, remetida da
legação portuguesa na Bélgica, dava informações sobre este colégio liceu
português; situava-se na pequena cidade de Huy e tinha vinte e quatro alunos,
todos portugueses; a mesma carta informava da existência do colégio Saint
Michel modernamente instalado em Bruxelas que contava, entre os seus
estudantes, bastantes portugueses, antigos alunos do colégio de Campolide; como
este também o de Saint-Michel estava sob orientação dos jesuítas; a guerra forçará
estas escolas a abandonar o seu asilo na Bélgica; o colégio figueirense
regressará a Portugal). e terminava a introdução desejando que a divulgação das Memorias da Condessa [contribuisse] para reparar uma das mais
flagrantes e monstruosas injustiças archivadas na Historia da Nação Portuguesa:
a sentença que condemnou os Tavoras e famílias com elles relacionadas,
votos que recordam as palavras do padre José Sousa Amado na edição de As
prisões da Junqueira durante o Ministério do Marquês de Pombal escriptas alli
mesmo pelo Marquez de Alorna, uma das suas victimas, publicadas pela
primeira vez em 1857 e, pela
segunda, em 1882, em pleno
centenário de comemorações pombalinas: por
este meio tão solemne e decoroso [decreto de libertação de 17 de Maio de 1777]
foi comprovada a innocencia do illustre preso da Junqueira, o que ao mesmo
tempo importa a condemnação mais formal das medidas arbitrarias de Sebastião
José, que com tanta crueldade se arvorou em perseguidor dos que lhe levavam
vantagem em saber, virtudes e nobreza. João Almeida Portugal [1726-1802], 4º
conde Assumar e 2º marquês de Alorna, que se presume ter sido o autor de As
prisões da Junqueira, era casado com dona Leonor de Lorena e Távora
[1729-1790], irmã da condessa de Atouguia.
Não
deixa também de ser curioso, embora não baste para duvidar da genuinidade dos
dois manuscritos, o comum percurso atribulado das diferentes cópias e a
dificuldade em encontrar os autógrafos. O padre Sousa Amado afirma ter visto o
original só por pouco tempo, e em casa de
um dos descendentes das victimas de Pombal, a quem foi confiado com todo o
resguardo, podendo, assim, proceder à comparação com a versão que possuía,
aventando até que o códice de As prisões da Junqueira teria tido com penultimo possuidor […] Miguel Bragança, a cuja
leituras se deve talvez o restabelecimento dos jesuítas, que hoje tantos
serviços estão fazendo á religião sob governos monarchicos e republicanos como
na Hespanha, Bélgica, Inglaterra, Áustria, e sobre tudo nos Estados Unidos da
América. Produzidos em contextos idênticos, As prisões entre 1759
e 1777, As Memorias por 1783,
orientando-se para um mesmo objectivo, a reabilitação dos Távoras e seus
familiares, pois que o marquês de Alorna (João de Almeida Portugal [1726-1802], 4º conde e Assumar e
2º marquês de Alorna, casou a 2 de Dezembro de 1747 com dona Leonor Lorena Távora [1729-1790], irmã da condessa de Atouguia e mãe da futura Alcipe)
era genro de dona Leonor e Francisco Assis e cunhado da Condessa de Atouguia, publicados
em momentos de forte tensão em que se procuravam definir, num quadro de menor
hostilidade, as relações entre a Igreja e o Estado, a década de 50 do século
XIX e os anos de 1916-17 que presenciaram o principio de algum equilíbrio nas
negociações, os dois manuscritos não obliteram, antes propiciam e quase forçam,
a inscrição no quadro problemático e sempre presente da expulsão da Companhia
por Sebastião José». In Zulmira C. Santos, Entre Malagrida e
Pombal. As Memórias da última condessa de Atouguia, Península, Revista de Estudos Ibéricos, nº 2,
2005, 401-416, Universidade do Porto.
Cortesia
UPorto/Península/JDACT