sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Conferências Públicas. 1891. Pereira da Silva. «Convocou João II a conselho seus mais reputados sábios. Entre elles figuravam dous judeus, mestre José e mestre Rodrigo, famosos cosmographos. Opinou o conselho que mais annos menos annos se dobraria a Africa»

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NOTA: De acordo com o original

Primeira Gonferencia. 17 de maio de 1891
«(…) Para que esta theoria fosse, porém, admittida precisava-se ainda que no século XVI os trabalhos de Galileu a demonstrassem cabalmente. Prevalecia no século XV unicamente, e para os sábios só, o principio da redondeza do globo, formado de terra e aguas, e coberto por uma atmosphera, onde dominava a lei da gravitação, que arrastava ao centro todo e qualquer peso. Christovam Colombo convenceu-se desta theoria, que com o andar dos tempos cada vez se lhe arraigou mais no espirito. Com a leitura dos livros então existentes e dos mappas, bem que confusos e repletos de muitas falsidades e inexactidões, percebeu que se podia ir ás índias directamente, seguindo da Europa para Oeste, e que este caminho era mais certo, curto e commodo que o de dobrar o Cabo das Tormentas, baptisado com o nome de Boa Esperança, por João II, na ponta sul da Africa. Não tinha Marco Paulo (Polo?) collocado o Cathay ou China na costa, e bem assim as ilhas de Cypango ou Japão, de que fallara um século antes? Não ficavam assim esses paizes fronteiros á Europa e á Africa Occidental?
As cartas e mappas de então apresentavam a Ásia como mais extensa para o lado da Europa, e o globo menor do que é na realidade. Os árabes, entendidos mestres de geographia e astronomia, adoptavam estas theorias erradas. Elias, todavia, mais animavam, excitavam e firmavam a idéa de Colombo, que calculava não exceder a distancia do Atlântico de duas a três mil milhas marítimas; tendo, além disto, ouvido em suas viagens aos Açores, á Madeira e ás Costas Africanas, contarem marinheiros e pilotos, que as vezes se encontravam madeiras e arvores lavradas, que na Europa não existiam; e que nos Açores haviam apparecido naufragados, cadáveres de dous homens de organisação physica diversa da Europa, cada vez mais robustecia-se seu intento de procurar as índias, atravessando o Atlântico e seguindo para o Occidente.
Não era Colombo como navegante superior a alguns pilotos que desde o infante Henrique trilhavam arrojadamente os mares e commettiam grandes e façanhosas emprezas; não sobrepujava a um Gil Eannes e nem a um Bartholomeu Dias, quer na intrepidez, e quer na firmeza e tenacidade de animo. Como sábio, não excedia também nem a Jayme de Malhorca, nem a Behaim, geographos eminentes da época e empregados em Portugal, e menos ainda ao Infante Henrique, cujos conhecimentos mathematicos conseguiram-lhe justa nomeada no mundo, e proporcionaram-lhe a felicidade de executar e fazer executar sublimes emprehendimentos. Atirava-se, porém, Colombo á emprezas com uma certa allucinação, proveniente de profundíssima convicção. Imaginava-as por si espontaneamente e fazia-se seu próprio executor. É nisto que fundava a superioridade sobre seus contemporâneos. Propoz-se então Colombo a João II para emprehender uma viagem directamente ás índias sem que torneasse a Africa. Para que pensar em dobrar o Cabo da Boa Esperança? Não estavam alli defronte de Portugal as índias com a China e o Japão? Mais depressa e menos perigosamente se não chegaria lá?
Convocou João II a conselho seus mais reputados sábios. Entre elles figuravam dous judeus, mestre José e mestre Rodrigo, famosos cosmographos. Opinou o conselho que mais annos menos annos se dobraria a Africa, e se navegaria seguro para as índias, e que assim continuasse El-Rei nos seus planos anteriores ; que si não era sonho de Colombo a viagem directa ao Oeste, por desconhecida se não devia tentar, parecendo fructo da imaginação mais que da sciencia humana. Indeferiu João II, portanto, a proposta de Colombo, que queria navios tripolados e garantias de honras e lucros para o caso de sahir-se bem da empreza. Desesperado e já então viuvo porque lhe fallecera a mulher portugueza, abandonou Colombo a terra, á que servia. No correr do anno de 1485 ou já em 1486 seguiu viagem para Génova». In J. M. Pereira da Silva, Conferências Públicas, propriedade do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro e Academia Real de Sciencias de Lisboa, Brazil, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, Library University of California, 1892.

Cortesia de IHGB/ARC de Lisboa/JDACT