Este livro não aspira a ser mais que uma leve conversação com o leitor
sobre assuntos camilianos e, fundamentalmente, ainda um preito de veneração e
saudade que eu venho render à memoria do imortal Torturado de Seide. In
Alberto Pimentel, Trafaria, Maio de 1921.
«(…) Se consultar o Grande
Dicionário de Larousse, encontrará que dropp,
palavra inglesa, significa uma espécie de guindaste empregado em Inglaterra
para meter a carga a bordo dos navios. A roldana deste guindaste está montada sobre
uma plataforma de via-ferrea e suspende por um cabo a larga balança em que desce
até á ponte do navio o vagonete carregado. Mas, como se entrevê da sátira de
Camilo, o dropp não exercia na praia
da Foz uma funcção comercial como em Inglaterra. Apenas por analogia se lhe
dera aquele nome, e o seu fim era diferente. Historiemos, ligeiramente, os
acontecimentos. Em 1830 o infante
Miguel mandou construir junto à barra um hospício onde os náufragos pudessem receber
prontos socorros. Esse edifício custou 6.400$000 réis. Poucos anos depois, em 1835, o governo vendeu-o a um
particular por 800$00 réis. Custa a crer, mas é verdade.
Sucedeu, a 29 de março
de 1852, o horroroso naufrágio do
vapor Porto, que tanto emocionou
todo o pais especialmente os portuenses, muitos dos quais presencearam a
catástrofe em todos os seus angustiosíssimos episódios. Logo no dia seguinte a
Associação Comercial se reuniu para ouvir lêr uma representação, redigida por Eduardo
Móser, na qual aquela corporação chamava a atenção do governo para o estado
perigoso da barra e falta de recursos de salvação em caso de naufrágio. Logo
também, graças à iniciativa particular, em grande parte estimulada por Manuel
Clamouse Browne, se tratou da fundação da Real Sociedade Humanitária,
que teve a sua primeira sessão no paço episcopal e que se constituiu legalmente
por um regulamento de 21 de abril do mesmo ano. O lugar de secretário foi confiado
a Eduardo Móser (mais tarde 1.° conde de Móser). Os esforços reunidos da
Associação Comercial, da Real Sociedade Humanitária e da opinião pública do
Porto, obrigaram o governo de então a adoptar algumas providencias não só para
investigar as causas da catástrofe e subsidiar as famílias pobres que nela
tinham perdido os seus chefes, mas também para evitar ou pelo menos atenuar futuras
catástrofes.
Entre estas ultimas
providencias a de mais imediata vantagem foi certamente aquela que organizou a
comissão directora do estabelecimento de salva-vidas, composta do governador
civil, do intendente de marinha, de dois vogais da Real Sociedade Humanitária e
dois da Associação Comercial. De todos estes factores resultou a urgência do
governo de 1852 expropriar o antigo hospício
dos náufragos, que o governo de 1835
tinha vendido por 800$00 réis. Custou a expropriação 5 contos. A
história da administração pública em Portugal confunde-se com a dos manicómios.
O feliz proprietário, que adquirira o edifício erigido pelo infante Miguel,
gozou esse edifício durante 17 anos pela quantia de 800$000 réis, e, por
fim, em virtude da expropriação, ainda lucrou 4:200$00 réis!
Foi a Real Sociedade Humanitária que, na sua primeira época, e no
empenho de rapidamente obstar a que se repetisse uma tragedia maritima como a
do vapor Porto, ingente e
pavorosa tanto pelo numero das vitimas, como pelas condições de absoluto desamparo
em que se encontraram, fez levantar junto à barra um alto palanque destinado ao
salvamento de náufragos. Suponho que a ideia partiria de Eduardo Móser ou de
Claraouse Browne, que não perderam nunca o seu caracter inglês durante uma
longa residência no Porto. Tive com Eduardo Móser aproximações de boa amizade.
Conheci-o no Jornal do Porto,
onde me estreei, e onde ele tratava muitas vezes assuntos económicos,
apoiando-se sempre nas pautas e estatísticas britânicas. Era um espirito
ilustrado, trabalhador e progressivo. Na figura, lembrava Thiers.
Pequenino como ele. A face também glabra. Normalmente vestido de preto, como
todo o comerciante inglês daquela época. Uma fineza lhe devi que não posso
esquecer». Por estas e outras quintilhas fica-se apenas percebendo vagamente
que o dropp era um aparelho de pau,
destinado a servir junto da barra do Porto para socorro dos navegantes». In
Alberto Pimentel, O Torturado de Seide, Camilo Castelo Branco, Livraria Manuel
dos Santos, Lisboa, 1921.
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