quarta-feira, 7 de outubro de 2015

A Leitura do Budismo na obra de Dalila Pereira Costa. Rui Lopo. «Em contexto budista, a importante noção de ‘mantra’ é tradicionalmente definida como um som protector (‘tra’) da mente (‘man’) na medida em que se trata de um som puro, um som que ecoa a realidade absoluta, é dito que só os budas plenamente…»

Cortesia de wikipedia

«(…) Como que ecoando antigas pretensões, em registo mito-poético formuladas, de constituição de uma religião nacional (detectáveis de forma explícita em Teixeira de Pascoaes e Fernando Pessoa), Dalila estatui a saudade como experiência culminante da proposta de sabedoria portuguesa, força libertadora de reintegração, contributo para uma nova Descoberta perene e universal, a descoberta do Mar Absoluto, o mar do espírito. Dalila vê ainda nas próprias formas anímicas e históricas regressivas o elemento a utilizar por um ser integrado, o elemento que permitirá levar para fora de si próprio, dando-lhe a sua vera natureza, fazendo-o revelar-se, ao transcender-se a si próprio e ao mundo. Dalila continuará a explorar esta original e paradoxal conciliação da busca de um eu perene com uma pulsão de transcensão de si e de saída para fora de si. Daí que também previna que a saudade possa ser possibilidade dupla, de salvação e perdição para o povo que a elegeu e pratica. E neste ponto parece detectar-se uma hesitação no pensamento de Dalila Pereira Costa. Pois a saudade, enquanto experiência culminante e máxima da espiritualidade nacional, depende afinal de uma finalidade que lhe seja dada, uma direcção que lhe seja impressa, uma justificação teleológica para o movimento que desencadeia. Daí que seja necessário proceder à comparação com o trabalho alquímico, bem metódico e descrito em suas operações graduais: O nigredo, obra ao negro, será comparado à estação do Rei na Ilha Encoberta, provação colectiva que define uma primeira operação de auto-gnose, uma descida ao fundo da alma. Sebastianismo, Saudade, profetismo apresentam-se assim como elementos de uma espiritualidade em oposição à espiritualidade europeia moderna, como um núcleo a perseverar, um tesouro desconhecido que haveria que desenterrar, ar a ver, partilhar e usar. Estabelecida esta oposição com a Europa e o Ocidente modernos, a autora procede então à confrontação da experiência da saudade com a espiritualidade do Oriente e concretamente com o Budismo.
Em contexto budista, a importante noção de mantra é tradicionalmente definida como um som protector (tra) da mente (man) na medida em que se trata de um som puro, um som que ecoa a realidade absoluta, é dito que só os budas plenamente despertos poderão enunciar tais mantras, que dependem do conhecimento preciso de todos os fenómenos do samsara e do nirvana, do conhecimento da causalidade originária, do conhecimento da acção benéfica dos sons e da comunicação pela língua e do conhecimento do karma e dos laços existentes entre as causas e os efeitos. Dalila Pereira utiliza este conceito tradicional e redefine-o de modo a encontrar na espiritualidade portuguesa quatro mantras, quatro fórmulas eminentes de consciência do eu pátrio. Esta entidade espiritual colectiva, ao modo de um mestre espiritual, transmitirá tais enunciados aos seus discípulos, filhos espirituais ou herdeiros místicos que são cada um dos portugueses. É dito que tais fórmulas permitirão a cada um o despertar, a subida da energia própria para tomada de consciência de si. Como manifestação do conhecimento supremo. Como revelação do Eu, que reside no seu eu. Vale a pena aqui referir que, em contexto budista, mais especificamente no mantrayana, o veículo dos mantras, designação também dada ao vajrayana ou tantrayana, o veículo adamantino, o veículo que concilia a visão da vacuidade e a utilização dos meios hábeis, as práticas mais avançadas, e que supõem uma longa prática e o acompanhamento de um Mestre qualificado, propõem a visualização de cada um sob a forma de um Buda, de cada um como já sendo aquilo que afinal nunca deixou de ser, a natureza primordial para além de toda a ilusão». In Rui Lopo, A leitura do Budismo na obra de Dalila Pereira da Costa, Estudos, Universidade de Lisboa, Associação Agostinho da Silva, Revista Lusófona de Ciência das Religiões, Ano VI, 2007.

Cortesia da ULisboa/JDACT