sexta-feira, 30 de outubro de 2015

O Crime dos Illuminati. César Vidal. «Deu um novo pulinho e, agora sim, começou a correr para se afastar daquele ser que ele não tinha visto antes mas que parecia representar um verdadeiro perigo. Com as orelhas transformadas em antenas que o avisavam da proximidade do seu inimigo»

Cortesia de wikipedia e jdact

Os Filhos da Luz. Baviera, 1775
«(…) Conseguiu dar dois passos antes que o animalzinho se precavesse do perigo que avançava em sua direcção. Sem dúvida, tinha contemplado como sua mãe ficara presa e como tinha perdido a vida no curso de um ritual que nunca tivera antes a oportunidade de contemplar. Agora, o medo e o espanto o impediram de reagir a tempo. No entanto, de qualquer forma conseguiu mexer-se. Deu um salto instintivo à direita para evitar aquelas manoplas que se lançaram sobre ele e depois, ainda presa do estupor, começou a correr. Foi uma corrida inexperiente, desajeitada e lenta. Típica de alguém que até aquele momento não sabia o que era ter que se salvar de um agressor. Impelido mais pelo susto do que por um medo suficiente para activar seu instinto de autopreservação, o filhote de lebre tratou de se esconder entre uns arbustos. O caçador se lançou sobre os arbustos convencido de que pegaria aquele animalzinho. Estava enganado. A sombra daquela massa se precipitando sobre ele acabou tirando do estupor aquele infeliz filhote de lebre. Deu um novo pulinho e, agora sim, começou a correr para se afastar daquele ser que ele não tinha visto antes mas que parecia representar um verdadeiro perigo.
Com as orelhas transformadas em antenas que o avisavam da proximidade do seu inimigo, o filhote de lebre descreveu uma corrida em ziguezague que não o afastou da cilada persistente, mas pelo menos impediu que ela se transformasse numa realidade letal. Ofegante, o caçador procurava se aproximar do animalzinho e prendê-lo entre o vazio ameaçador que suas mãos formavam, mas, repetidas vezes, aquele ser miúdo evitou a tenaz. Com o instinto que só a experiência proporciona, compreendeu que a sua única oportunidade de encurtar distâncias e alcançar o animalzinho era enganá-lo. Deu uma passada com a perna direita que assustou o filhote de lebre e fez com que saltasse para a esquerda e, justo nesse momento, precipitou-se sobre ele. Ele lhe escapou por duas míseras polegadas, mas era óbvio que o caçador tinha encontrado o método que lhe permitiria sair com sucesso daquela missão. Bem, era só uma questão de repetir a jogada no momento exacto em que o animalzinho estivesse suficientemente próximo.
Não fez isso. Enquanto o filhote de lebre corria para se pôr a salvo à maior distância possível, o caçador vislumbrou algo que distraiu sua atenção. No início, só chegou até seu corpo uma soma de sensações fortes e absorventes. Um cheiro penetrante de carne em decomposição, o zumbido irrequieto do que pareciam ser centenas de moscas, os raios de sol descendo entrecortados sobre um tronco de árvore para se atirar depois pela casca e, revolta, rutilante e avermelhada, uma cabeleira que só podia pertencer a um ser humano. Ele parou, inalou uma golfada de ar, passou a mão pela testa suarenta e, por alguns instantes, procurou compreender o que significava tudo aquilo que se oferecia, agressivo e pujante, aos seus sentidos. Não conseguiu àquela distância e, tendo já relaxado a perseguição ao filhote de lebre, deu alguns passos na direcção da inesperada descoberta. O fedor de podridão arranhou suas fossas nasais, mas não o deteve. Espantou com furiosos golpes de mão o bando de moscas e conseguiu distinguir uma imagem diferente de qualquer outra que já tinha se oferecido ante as suas pupilas.
Tratava-se de um homem jovem, sem dúvida. Era até possível que não tivesse ultrapassado a casa dos vinte anos. No entanto, agora não passava de um despojo fétido e coberto de insectos verde-azulados. O rosto parecia destruído, esmigalhado, esvaído, como se tivessem tentado desmanchá-lo até torná-lo irreconhecível. No entanto, o caçador disse a si mesmo que o mais certo era que aquela terrível abrasão se devesse à acção combinada das feras e das moscas. Quanto ao resto do corpo... As meias estavam destruídas, mas enquanto o pé direito conservava um sapato, no esquerdo os dedos, avermelhados e roídos, do morto sobressaíam no meio do tecido. As calças, sujas e cobertas de lama, estavam espantosamente rasgadas na altura das virilhas, embora os rasgões se encontrassem quase totalmente cobertos por espessas nuvens de moscas que se movimentavam febrilmente em busca de uma presa que o caçador não sabia ao certo qual era. Finalmente, as folhas pareciam ter ajudado a cobrir pudicamente as mãos, os braços e o peito do defunto. Por um instante, contemplou aquele ser humano, agora à mercê de alguns predadores que, por serem menores, não eram mais compassivos ou menos eficazes do que ele. Então, de forma inesperada, sem qualquer aviso prévio, sentiu um enjoo cálido e incontrolável que subia desde o ventre. Teve, primeiro, um espasmo seco que lhe arrancou algumas lágrimas e impregnou sua testa de suor. Titubeante, aproximou-se de uma árvore em que se apoiou subitamente mareado. Antes que tivesse apoiado os dedos da mão sobre o tronco, começou a vomitar, tomado por irresistíveis espasmos. Podia-se dizer que, ao expulsar todo o conteúdo de seus espasmos, se abrisse diante dele a possibilidade de reter a vida.

Os Filhos da Luz. Baviera, 1787
Wilhelm Koch passou a mão pelo queixo. Sentiu então um pequeno tufo de pêlos mal barbeados, localizado duas ou três polegadas abaixo da têmpora. Aqueles hóspedes inesperados e, sobretudo, indesejados arrancaram dele um mal-estar que saltitou de seus lábios. Por alguma razão que não era fácil de descobrir, as regras familiares, a educação com os jesuítas, um motivo cósmico etc., não podia tolerar a desordem nem a falta de harmonia. Era uma atitude extensiva tanto ao traçado de uma rua quanto à limpeza de suas camisas, a uma operação aritmética bem resolvida ou à luta implacável contra o crime. Não suportava nada que parecesse dissonante, torto, feio ou ruim. Talvez por isso poderia ter sido arquitecto, músico ou matemático. Certamente por isso era um polícia. Ele era, e dos melhores. Dificilmente se poderia encontrar, em toda a Baviera, um outro igual. Ao longo de vinte anos de serviço, tudo tinha corrido bem, ou seja, de maneira ordenada. Roubos, fraudes, violações, assassinatos..., raras foram as transgressões da lei que não soubera enfrentar com sucesso. E tudo, absolutamente tudo, era devido ao seu método. Na opinião de Koch, a questão limitava-se a encontrar o ponto exacto em que a harmonia que governava o cosmos era quebrada. Da mesma forma como uma tubulação quebrada só pode ser consertada quando se descobre o lugar onde ocorre o vazamento, o crime exigia que se detectasse a partir de quando a ordem social foi rompida». In César Vidal, O Crime dos Illuminati, 1958, tradução de António Borges, Relume Dumará, Ediouro Publicações S.A., 2006, ISBN 857-316-6491-3.

Cortesia de RDumará/JDACT