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Quem não o conhecer que o compre, doutor Bento. Olhe aqui o balãozinho aquecido
e o cheirinho do café! Quer um charuto da caixa? Está aqui. E fica a saber que
a Margarida não é para o seu dente, é só uma menina e se ela for embora eu vou
com ela. Margarida? Que Margarida? Não sei de quem é que estás a falar. Com
um filho de dez anos, que já percebe tudo, a sorte dele é estar no colégio
interno, devia mas era ter vergonha. E tu que idade tens, sabichona? Tenho
vinte e cinco mas podia ser sua mãe. E não se esqueça que estou cá desde os
doze e se não fosse ter uma joelhada tão certeira já andava há que tempos
desgraçada aí pelos caminhos com algum bastardo Proença pela mão. Mais café?
Está bom pois, foi a Joana-Dália quem o fez. Ninguém faz café como ela, por
isso trate-a bem que ela é competente e muito séria. Se eu tivesse aquela
dentuça também era sério. Podes levar. Quando é que vais à terra? Nunca.
Mas
o homem põe e Deus dispõe e Tiana foi chamada à terra por doença e por fim
falecimento da mãe e abriu uma crise na cozinha que pôs dona Joana em completa
histeria. Esta gentinha passa a vida a ter ataques e a morrer e deixam aqui uma
pessoa a braços com almoços e jantares, ainda se o Bento não fosse exigente,
mas não me vai perdoar nem um molho, nem uma omelete, nem sequer um pâté. A
menina, Teresinha, é que me podia emprestar a sua Conceição. Nem pense, tenho
os anos do meu sogro e nós também almoçamos e jantamos, não é só o Bento, a
menina tem seis criadas, não me diga que nenhuma sabe fazer uma açorda. Isso
era preciso que o Bento comesse açorda, odeia, nem parece alentejano, não sei o
que hei-de fazer, Bem, vou andando, que o Henrique está a chegar de Lisboa, foi
vender a cortiça e tenho souflé de
camarão de entrada, se descai a Conceição despede-se, saiu venenosa a
Teresinha, escadaria abaixo.
Era
bem feita e talvez a Conceição quisesse cá vir fazer quinze dias. E agora como
é que eu explico à Dália, à Jacinta, à Margarida, à Joaquina, que não sei
cozinhar? Mas não foi preciso explicar. Elas já sabiam, a Joaquina e a
Margarida puseram-se ao fogão, a Dália nos doces, a Jacinta na loiça, deram
conta do recado enquanto o Diabo esfrega um olho. O Bento não teria dado por
nada se a Joana não aparecesse à mesa afogueada, ela que dizia sempre que o
jantar era o repouso do guerreiro e a mulherzinha digna desse nome devia
apresentar-se linda e fresca, como se a vida fosse um mar de rosas e nenhuma
crise doméstica pudesse, nem de longe nem de perto, afectar o apetite e a
disposição do seu amo e senhor.
Bem
prega frei Tomás, sentou-se na borda da cadeira desgrenhada e a limpar o resto
das lágrimas, Agora a Tiana resolveu ir à terra e eu que me amanhe, se o jantar
estiver um lixo não se admire, foram aquelas incapazes que o fizeram, nem faço
ideia o que é que vai aparecer na mesa, não se espante se for chouriça assada e
pão com azeitonas, deve ser tudo o que elas sabem fazer. Joana-Dália trouxe a vichyssoise, ligada, geladinha, o
gostinho do alho francês diluído nas natas, o Bento repetiu, o peixe era rolinhos
de linguado com feijão-verde cortado finíssimo, manteiga e limão, a Joaquina
tinha extrapolado, a carne lombinhos de porco com molho de maçã e croquetes de
batata, lindos, todos dourados por igual, a sobremesa fatias da China, já nem
conseguiu provar a salada de frutas apresentada em cama de merengue.
Quem
é que fez este jantar, perguntou o doutor Proença à Dália-Joana. Fomos
nós. Nós quem, quero-as aqui todas e da cozinha vieram a Margarida e a
Joaquina, acharam justo que viesse a Jacinta, tanta loiça tinha lavado, batatas
descascado, claras separado e ela veio, toda envergonhada, a esconder o riso no
avental. Pois a partir de hoje vão todas aumentadas no ordenado e tu do avental
às riscas cor-de-rosa, leva-me ao escritório o café e a garrafa de Napoleão daí
por mais ou menos dez minutos. Margarida entrou no escritório com a pesada
bandeja, tremia tanto que a xícara, mal apoiada no pires, batia contra a colher
de prata, Estás nervosa? Não estou habituada a servir os senhores, o meu
serviço é limpar e arrumar, o senhor doutor desculpe e se não precisa mais de
mim... Preciso. Preciso que me tragas aqui, às onze em ponto, uma fatia de bolo
de mel, há bolo de mel? Há sim, senhor doutor, e um cálice de peitoral
Ferreirinha que eu vou fazer serão. Quando a Margarida apareceu grávida
ainda a Tiana não tinha voltado da terra. Confiou-se à Joana, olha a minha
desgraça, a Tiana se calhar sabe de alguma coisa que possas tomar, elas às
vezes comem quinino, aquilo das sezões, também há umas ervas amargas, faz-se um
chá mas não sei o nome, precisávamos de alguém mais velho e a Tiana que não
volta». In Rosa Lobato de Faria, Os Pássaros de Seda, licença editorial por
cortesia de Asa Editores, Círculo de Leitores, 2002, ISBN 972-422-650-6.
Cortesia
de ASAE/CLeitores/JDACT