segunda-feira, 26 de outubro de 2015

A Revista de História (1912-1928). Nuno Miguel Moreira. «… no estudo A Historiografia Contemporânea Orientações e Problemas, Magalhães Godinho rejeita a leitura do presente a partir de uma imposição dogmática e acrítica do passado como tradição»

Cortesia de wikipedia

Resumo
«Nesta dissertação estudaremos a Revista de História, essencialmente pelo prisma da História da Historiografia. O objecto da nossa investigação carece de uma identificação prévia. A Revista de História foi criada no seio da Sociedade Nacional de História, como veículo de informação privilegiado do respectivo ideário e forma de difusão das ideias da instituição. O periódico em causa é composto por 16 volumes (1912-28). Começou antes da Iª Guerra Mundial, terminou dois anos depois da Instauração da Ditadura Militar de Gomes Costa e foi contemporâneo do Integralismo Lusitano, da Renascença Portuguesa e da Seara Nova. A questão que se coloca é: qual a relevância cultural e historiográfica da Revista de História no contexto em que se desenvolveu? A Historiografia tem sido, muitas vezes, equiparada à Teoria da História numa perspectiva epistemológica, mas sobretudo filosófica. Sem esquecer ou ignorar estas acepções, é possível integrá-las num reduto amplo, ancorado na diacronia, a coberto de especulações com tendência generalizante. Um determinado discurso historiográfico ocorre em espaço e tempo próprios, que condicionam o que expressa. Para concretizar melhor o que está em causa neste trabalho, convém proceder a uma descrição detalhada das motivações, subjectivas e objectivas, e das fontes e metodologias nele implicadas. Esta dissertação resulta do interesse que desde sempre nutrimos pela História Contemporânea, na vertente cultural. A publicação em causa representa, pelo período em que se inscreve, um esforço de conjunto no que respeita aos periódicos da especialidade na época republicana. Por outro lado, a História da Historiografia também constitui disciplina a aprofundar, a exemplo do que há mais tempo acontece em Espanha, França ou no Brasil. Dentro da Historiografia, a escolha da diacronia como prioridade prende-se com uma atitude metodológica que procura conferir destaque à historicidade do objecto de investigação. (…) Trata-se de um periódico marcado pela diversidade temática, mas que não deve ser inserido numa única escola, frustrando qualquer prefiguração dos Annales».

«A estruturação e afirmação de qualquer ciência ou ramo do saber passa não só pelos seus cultores, pela investigação e pelo ensino, como pelos principais veículos de divulgação de resultados, designadamente livros e revistas. (…) Com o acelerado desenvolvimento dos diversos domínios científicos, tanto do âmbito das ciências experimentais, como do das ciências humanas e sociais, de modo particular desde meados do século XIX, o papel desempenhado pelas revistas passou a adquirir uma relevância crescente. (…) A renovação da história passa também, em grande medida, pelas revistas de história (…) Trata-se de uma temática ainda insuficientemente estudada, não obstante o interesse de que a mesma se reveste». In José Maria Amado Mendes, Lisboa, 1996

Uma proposta de Análise Histórico-Historiográfica
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«Em 1940, Vitorino Magalhães Godinho foi pioneiro na análise de problemas historiográficos, relacionando-os com a crise contemporânea. Decorria a II Guerra Mundial na Europa quando, na sua dissertação de licenciatura, apresentada à Faculdade de Letras de Lisboa, o autor construiu uma argumentação científica para responder aos problemas que como cidadão observava em Portugal, na Europa e no Mundo. Queria intervir civicamente na denúncia do regime político vigente no nosso país, de modo a contribuir, no plano intelectual, para ajudar mudar a situação. O trabalho em apreço intitula-se Razão e História (introdução a um problema). Nesta dissertação de licenciatura, o autor distingue a lógica transcendente da lógica formal, admitindo ligações entre ambas, mas ultrapassa-as, recorrendo a Kant, sem colocar, por outro lado, o empirismo totalmente de parte, consciente das respectivas necessidade e insuficiência Dois anos depois, a Guerra continuava e os indesejáveis irracionalismo e misticismo recrudesciam. Assim, no estudo A Historiografia Contemporânea Orientações e Problemas, Magalhães Godinho rejeita a leitura do presente a partir de uma imposição dogmática e acrítica do passado como tradição.
Por outro lado, o historiador coloca o problema do passado não apenas para o recapitular, nem tão pouco com o intuito de julgá-lo. Procura explicar a sua irredutível especificidade e relacioná-lo com o presente, sem instrumentalizações recíprocas. Magalhães Godinho tenta ultrapassar a pura erudição, tendo-a em conta, sem a anulá-la ou postergá-la. Bem pelo contrário. Acrescenta-lhe uma inserção da História no âmbito da problematização sócio-cultural. Alguns anos volvidos, o autor reafirmou a confiança na ciência, na técnica, no alargamento geográfico e temático da história, acolhendo os contributos da história económica e social, na obra A Crise da História e as suas novas diretrizes. Neste trabalho, o historiador contesta a arquitetura tradicional da história, tendencialmente política, militar e diplomática, baseada no primado da descrição anódina de factos, datas, reinados, batalhas.
Num âmbito assaz diverso, em 1962, Carlos Abranches Soveral, publicou um artigo intitulado História, Historiografia e Historiologia na revista Studium Generale, Boletim do Centro de Estudos Humanísticos anexo à Universidade. Trata-se de um estudo essencialmente teórico, no qual o seu autor se exime a enveredar pela história da historiografia, centrando-se numa reflexão conceptual, alicerçada na distinção entre História, Historiografia e Historiologia. A primeira é entendida como a realidade histórica, o processo existencial, correspondendo ao que acontece e flui, enquanto a segunda diz respeito a uma produção escrita, ao registo e interpretação da história, concretizando a respectiva transformação, baseada na expressão subjectiva do historiador, sem esquecer que o seu esforço se inscreve, igualmente, no âmbito de uma intenção colectiva. Por seu turno, a historiologia abarca e congrega as duas dimensões anteriores, constituindo uma abordagem filosófica acerca da historiografia. No entender de Carlos Soveral, Tucídides foi o pai da historiografia, distinguindo-se pelo cunho alegadamente pragmático do seu trabalho. Fora da Teoria da História, é curioso verificar que Joaquim Veríssimo Serrão se interessasse por estabelecer uma diacronia essencialmente descritiva da Historiografia Portuguesa dos Séculos XIX e XX». In Nuno Miguel M. B. Moreira, A Revista de História (1912-1928), Uma Proposta de Análise Histórico-Historiográfica, Faculdade de Letras, Universidade do Porto, Porto, Dissertação de Doutoramento em História, 2012.

Cortesia de UPorto/FdeLetras/JDACT