Resumo
«Nesta dissertação estudaremos a Revista
de História, essencialmente pelo prisma da História da Historiografia. O
objecto da nossa investigação carece de uma identificação prévia. A Revista
de História foi criada no seio da Sociedade Nacional de História, como
veículo de informação privilegiado do respectivo ideário e forma de difusão das
ideias da instituição. O periódico em causa é composto por 16 volumes
(1912-28). Começou antes da Iª Guerra Mundial, terminou dois anos depois da
Instauração da Ditadura Militar de Gomes Costa e foi contemporâneo do Integralismo
Lusitano, da Renascença Portuguesa e da Seara Nova. A questão
que se coloca é: qual a relevância cultural e historiográfica da Revista de
História no contexto em que se desenvolveu? A Historiografia tem sido,
muitas vezes, equiparada à Teoria da História numa perspectiva
epistemológica, mas sobretudo filosófica. Sem esquecer ou ignorar estas acepções,
é possível integrá-las num reduto amplo, ancorado na diacronia, a coberto de especulações
com tendência generalizante. Um determinado discurso historiográfico ocorre em
espaço e tempo próprios, que condicionam o que expressa. Para concretizar melhor
o que está em causa neste trabalho, convém proceder a uma descrição detalhada
das motivações, subjectivas e objectivas, e das fontes e metodologias nele
implicadas. Esta dissertação resulta do interesse que desde sempre nutrimos
pela História Contemporânea, na vertente cultural. A publicação em causa
representa, pelo período em que se inscreve, um esforço de conjunto no que
respeita aos periódicos da especialidade na época republicana. Por outro lado,
a História da Historiografia também constitui disciplina a aprofundar, a
exemplo do que há mais tempo acontece em Espanha, França ou no Brasil. Dentro
da Historiografia, a escolha da diacronia como prioridade prende-se com uma
atitude metodológica que procura conferir destaque à historicidade do
objecto de investigação. (…) Trata-se de um periódico marcado pela diversidade
temática, mas que não deve ser inserido numa única escola, frustrando qualquer
prefiguração dos Annales».
«A
estruturação e afirmação de qualquer ciência ou ramo do saber passa não só
pelos seus cultores, pela investigação e pelo ensino, como pelos principais
veículos de divulgação de resultados, designadamente livros e revistas. (…) Com
o acelerado desenvolvimento dos diversos domínios científicos, tanto do âmbito
das ciências experimentais, como do das ciências humanas e sociais, de modo
particular desde meados do século XIX, o papel desempenhado pelas revistas
passou a adquirir uma relevância crescente. (…) A renovação da história passa
também, em grande medida, pelas revistas de história (…) Trata-se de uma
temática ainda insuficientemente estudada, não obstante o interesse de que a
mesma se reveste». In José Maria Amado Mendes,
Lisboa, 1996
Uma
proposta de Análise Histórico-Historiográfica
[…]
«Em 1940, Vitorino Magalhães Godinho foi pioneiro na análise de
problemas historiográficos, relacionando-os com a crise contemporânea. Decorria
a II Guerra Mundial na Europa quando, na sua dissertação de licenciatura,
apresentada à Faculdade de Letras de Lisboa, o autor construiu uma argumentação
científica para responder aos problemas que como cidadão observava em Portugal,
na Europa e no Mundo. Queria intervir civicamente na denúncia do regime
político vigente no nosso país, de modo a contribuir, no plano intelectual,
para ajudar mudar a situação. O trabalho em apreço intitula-se Razão e
História (introdução a um problema). Nesta dissertação de licenciatura,
o autor distingue a lógica transcendente da lógica formal, admitindo ligações
entre ambas, mas ultrapassa-as, recorrendo a Kant, sem colocar, por outro lado,
o empirismo totalmente de parte, consciente das respectivas necessidade e
insuficiência Dois anos depois, a Guerra continuava e os indesejáveis irracionalismo
e misticismo recrudesciam. Assim, no estudo A Historiografia Contemporânea
Orientações e Problemas, Magalhães Godinho rejeita a leitura do presente a
partir de uma imposição dogmática e acrítica do passado como tradição.
Por outro lado, o historiador
coloca o problema do passado não apenas para o recapitular, nem tão pouco com o
intuito de julgá-lo. Procura explicar a sua irredutível especificidade e
relacioná-lo com o presente, sem instrumentalizações recíprocas. Magalhães
Godinho tenta ultrapassar a pura erudição, tendo-a em conta, sem a anulá-la ou
postergá-la. Bem pelo contrário. Acrescenta-lhe uma inserção da História no âmbito
da problematização sócio-cultural. Alguns anos volvidos, o autor reafirmou a
confiança na ciência, na técnica, no alargamento geográfico e temático da
história, acolhendo os contributos da história económica e social, na obra A
Crise da História e as suas novas diretrizes. Neste trabalho, o historiador
contesta a arquitetura tradicional da história, tendencialmente política,
militar e diplomática, baseada no primado da descrição anódina de factos, datas,
reinados, batalhas.
Num
âmbito assaz diverso, em 1962, Carlos Abranches Soveral, publicou um artigo
intitulado História, Historiografia e Historiologia na revista Studium
Generale, Boletim do Centro de Estudos Humanísticos anexo à
Universidade. Trata-se de um estudo essencialmente teórico, no qual o seu autor
se exime a enveredar pela história da historiografia, centrando-se numa
reflexão conceptual, alicerçada na distinção entre História, Historiografia
e Historiologia. A primeira é entendida como a realidade histórica,
o processo existencial, correspondendo ao que acontece e flui, enquanto a
segunda diz respeito a uma produção escrita, ao registo e interpretação da
história, concretizando a respectiva transformação, baseada na expressão subjectiva
do historiador, sem esquecer que o seu esforço se inscreve, igualmente, no
âmbito de uma intenção colectiva. Por seu turno, a historiologia abarca e
congrega as duas dimensões anteriores, constituindo uma abordagem filosófica
acerca da historiografia. No entender de Carlos Soveral, Tucídides foi o pai
da historiografia, distinguindo-se pelo cunho alegadamente pragmático do
seu trabalho. Fora da Teoria da História, é curioso verificar que
Joaquim Veríssimo Serrão se interessasse por estabelecer uma diacronia essencialmente
descritiva da Historiografia Portuguesa dos Séculos XIX e XX». In Nuno
Miguel M. B. Moreira, A Revista de História (1912-1928), Uma Proposta de
Análise Histórico-Historiográfica, Faculdade de Letras, Universidade do Porto, Porto,
Dissertação de Doutoramento em História, 2012.
Cortesia de
UPorto/FdeLetras/JDACT