quarta-feira, 28 de outubro de 2015

O Arcebispo de Braga. Diogo Sousa. Nair de Nazaré Soares. «Eis Júlio, que é da raça dos deuses; ele recriará os séculos de oiro, e desde o Lácio, pelos campos onde outrora reinou Saturno, estenderá o seu império para além dos Garamantas e dos Índios»

Cortesia de wikipedia e jdact

Príncipe Umanizzato do Renascimento. Projecto educativo moderno
(…) Diogo Sousa, na sua permanência em Itália, convive com Henrique Caiado, antigo aluno de Cataldo e de Angelo Poliziano, o famoso poeta latino das Éclogas, elogiado por Erasmo. Caiado trata o jovem prelado Diogo Sousa como seu mecenas: dedica-lhe vários epigramas e, a 11 de Julho de 1495, a Écloga I (nesta Écloga I, surge o elogio da Florença de Savonarola, pouco conveniente, por ser seu dedicatário Diogo Sousa, um diplomata do rei João II, com boas relações com a família dos Médicis, que acabava de prestar homenagem ao papa Bórgia, Alexandre VI, pai de César Bórgia; sem esquecer que Savonarola, pelas proporções que tomou a sua pregação e o seu ideal de Renouatio Ecclesiae, iria despertar a admiração de Lutero que pretende fazer dele um arauto da Reforma). Num dos epigramas que lhe dirige por ocasião da sua partida de Roma para ascender à cátedra episcopal portuense, Ad Iacobus Sousam Pontificem, em humilde voz, faz uma prece a Deus, designado, à maneira clássica, com o atributo de Júpiter, Tonans, para que o faça pastor do seu rebanho, o eleve ao pontificado: Interea supplex humili rogo uoce Tonantem/ pastorem ut faciat te gregis ille sui (o estilo laudatório, em que se percebe o jogo cortesão humanista, que busca captar a atenção de um mecenas ou a protecção de uma família, adequa-se todavia ao merecimento, à cultura, à posição na hierarquia social do elogiado, ao carácter e personalidade da figura de Diogo Sousa).
Em 1505, integra Diogo Sousa uma outra embaixada, de homenagem e obediência a Júlio II, em nome do rei Manuel I. Por ocasião da sua permanência em Roma, em 11 de Julho deste ano, foi nomeado arcebispo de Braga, por renúncia de Jorge Costa, tinha então quarenta e quatro anos (é feito arcebispo por bula de Júlio II, de 11 de Julho de 1505. Gil Vicente, no sermão pregado, em 1506, ao muyto nobre Rey Dom Manuel, na noite do nascimento do infante Luís, refere-se ao ir arcebispar a Roma, quierome yr a Roma, quiero aecebispar numa alusão, muito provável, a este acontecimento). Era o século de ouro das cortes europeias e das cidades do Renascimento italiano que Diogo Sousa conhecera em toda a sua grandeza! Era a época das embaixadas a Roma, que ele próprio integrou, e das respectivas orações de obediência, que davam notícia ao papa e ao auditório universal, que a Cúria romana então representava, das glórias da nação lusa, na época dos Descobrimentos.
O rei Manuel I, o Venturoso, assistirá, no seu reinado, à chegada de Vasco Gama à Índia, em 1498, e, em 1500, à descoberta (?) do Brasil. As descobertas e as conquistas do novo mundo, naquilo que de grandioso e de exotismo encerravam, marcam toda uma geração de portugueses e também de estrangeiros, a quem as notícias chegavam, a partir de Roma, ou também pelo contacto directo com os nautas, em Lisboa ou na Flandres, ligadas por uma carreira regular de naus, duas vezes por ano, desde 1502. Assim acontece com Thomas More na criação do português Raphael Hithodeu, o herói da sua obra de alcance universal, a Utopia, publicada em Londres em 1516 (a obra de Vespuccio, Paesi nuovamente retrouati. Nouo Mondo da Alberico Vesputio Florentino intitulato (1507) foi traduzida para latim com o título Itinerarium Portugallensium e Lusitania in India et inde in Occidentem (1508).
Em Roma, desde os finais do Quattrocento, eram habituais as celebrações, por parte da cúria romana, dos feitos dos portugueses, que ganham universalidade pela luta contra os Turcos, um serviço prestado à Cristandade, que as orações de obediência enalteciam acima de tudo (todas estas orações, proferidas perante o papa, ou as cartas que lhe eram enviadas, a dar notícias das descobertas e conquistas além-mar, desde o reinado de Afonso V aos de João II e de Manuel I, retomam sempre o mesmo motivo, a guerra contra os Turcos, a defesa e expansão da Fé cristã; os Turcos já não são só os do no norte de África, mas os seguidores do Islão, nas paragens distantes do Índico e do Mar Vermelho). Ficaram famosas, entre todas as embaixadas, a de 1481 em que foi orador Garcia Meneses, a de Diogo Sousa, em 1505, e a de Tristão Cunha, em 1514, sendo o discurso de obediência destas últimas proferido por Diogo Pacheco (a embaixada de 1514 ficou conhecida pela pompa e exotismo da presença do elefante indiano, oferta do nosso monarca ao Sumo Pontífice Leão X).
Na oração de 1505, o orator regius faz o elogio insistente da acção de Manuel I e do próprio rei mui prudente, justo e moderado Príncipe, o mais poderoso no nosso tempo entre os principais da religião cristã; afirma que com a sagaz indústria de Manuel I, suas enormes despesas e seus mais fervorosos cuidados, penetrámos na Índia [...] E não só costeámos a Índia e a Etiópia, mas também as orlas marítimas do Golfo Arábico e do Golfo Pérsico e as costas do Mar Roxo, e circundámos quase todo o orbe, podendo os cristãos esperar que em breve seja abolida toda a perfídia e heresia maomética. Enaltece a gesta lusa, que assume uma dimensão épica; inaugura a temática de uma Nova Idade do Ouro e, inspirando-se no livro VI da Eneida, faz de Júlio II um novo Augusto: Eis Júlio, que é da raça dos deuses; ele recriará os séculos de oiro, e desde o Lácio, pelos campos onde outrora reinou Saturno, estenderá o seu império para além dos Garamantas e dos Índios». In Nair de Nazaré Castro, Soares, O Arcebispo de Braga, Diogo Sousa, Principe Umanizzato do Renascimento. O seu projecto educativo moderno, Revista Humanitas nº LXIII, Universidade de Coimbra, 2011, ISSN 0871-1569.

Cortesia de RHumanitas/JDACT