sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Conferências Públicas. 1891. Pereira da Silva. «Não se penetrara já na zona tórrida, e não se descobrira que ella era habitável? Falleceu, no correr de 1460, o infante Henrique, já nos fins de sua vida endeosado…»

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NOTA: De acordo com o original

Primeira Gonferencia. 17 de maio de 1891
«(…) Deixemos de parte as fabulas de Platão e Aristóteles quanto ás ilhas da Atlântida e Antilhas, posto que os mappas de 1400 as mencionem ainda: como é curiosa a legenda da ilha das sete cidades, onde se recolheram sete bispos, que calçava de ouro as ruas, possuia palácios de mármore, asylara o ultimo rei godo-hespanhol Rodrigo, e dera eterna felicidade á Ennoch e Elias recolhidos á seu seio! Como encanta, a lenda de que a ilha de S. Brandão fora visitada por um abhade escossez Barandon, acompanhado por São Maló, que resuscitou um gigante já enterrado, baptisou-o e annunciou-lhe a felicidade na outra vida? Sabeis o que resultou? O gigante, depois de quinze dias, quiz por força morrer e morreu de novo para alcançar a bemavenlurança no Céo! Certo é que esta ilha figurava em todos os mapas dos séculos XV e XVI, nos próprios traçados ao depois por Colombo, e no globo attribuido á Behaim. Certo é ainda que no XVII e XVIII foi mandada procurar por navios hespanhóes, por ordem do seu governo, porque arrastados por illusões ópticas os habitantes dos Açores teimavam em que era vista, bem perto delles, em certas épocas do anno.
Resolveu-se o infante Henrique a iniciar os descobrimentos, seguindo a costa Africana, no intuito de apoderar-se della. Custou-lhe espantosamente. Seu pai animava-o, mas nao tinha dinheiro. Empregou o principe a renda do ducado e a do mestrado de Christo que administrava (e os dinheiros dos templários?). Marinheiros, pilotos, ninguém queria arriscar-se a ir além do Cabo Non, porque se espalhava que dahi em diante começava o mar tenebroso e as tradições que corriam aterrorisavam a todos. Com o emprego de inauditos esforços conseguiu o infante que Zarco e Tristão Dias, em 1418, alongando-se pelo oceano, descobrissem as ilhas do Porto Santo e Madeira, e em 1431 Gonçalo Velho as dos Açores. Nada disso o adeantava todavia. O que elle procurava era a Africa, era o que havia além do Cabo Non. D’ahi fugiam-lhe os mareantes, ahi não se atreviam á ir os pilotos. Morrendo em 1433 o rei João I, obteve do filho Henrique que o novo rei, Duarte I, mandasse expedição guerreira á Mauritânia, tendo-o e a seu irmão infante Fernando á frente; explore-se a Africa por terra, já que o mar está assustando!
Infeliz empreza! Os Portuguezes foram em Tanger derrotados. O infante Fernando cahiu prisioneiro e morreu no meio de tormentos em Fez. O irmão Henrique volveu para o seu promontório de Sagres (?) em 1437. Não desanimado perseverou nas lutas com o oceano, cujos segredos anciava descobrir. Mais lhe firmava no espirito os propósitos de percorrer a costa Africana a ideia de encontrar o caminho para as índias, e collocal-as em directa communicação com Portugal. Não diziam os mappas que a costa Africana parava aos 10 gráos? Não o incitava a leitura de Marco Paulo (não será Polo?) na descripção da Tartaria, Cypango e Cathay? Não havia chegado ao Indostão Alexandre com os seus Gregos, á Arménia os Romanos, á Jerusalém os Cruzados? Já que não podia ir por terra, combatendo Mouros, ou correndo a costa septentrional da Africa, por Argel, Tunis, Tripoli e Egypto, não era indispensável proseguir em expedições marítimas? Não estaria reservado a Portugal e a elle o papel glorioso de iniciar e executar emprezas que espantassem o mundo?
O povo murmurava, a nobreza zombava, era um louco na opinião de muitos, como são sempre considerados os génios que se adiantam além do seu século. Que lhe importava! Idèas firmadas em fundas convicções não se desfazem sinão diante de realidades demonstradas. Obteve que Gil Eannes chegasse ao Gabo Bojador, dobrasse-o, reconhecesse-o e voltasse a dar-lhe a boa nova; não era ainda o fim do mundo, mas ninguém lá fora, salvo mouro ou árabe, e por terra. Após o Gabo Bojador, descobriu Nuno Tristão, em 1443, o Cabo Branco, e em 1449, Cadamosto, o Cabo Verde e o Senegal, onde encontrou marfim, ouro e hordas de pretos, que conduziu para os Algarves, começando então o trafico de escravos Africanos na Europa. Dous papas mandam bullas de concessão de todas as terras além do Cabo Bojador, elogiando e preconisando de heroe o príncipe. Os Pontífices Romanos reputavarn-se então autorizados para distribuírem reinos e coroas.
Quantos erros geographicos se emendaram desde logo nos mappas? Quantos prejuízos populares se desfizeram? Chegara-se no entanto ao gráo 20 e não apparecia o mar tenebroso cuja fama enchia á todos de pavor. Continuar, continuar, e o caminho das Indias ahi estava próximo e certo, não tardaria a Africa em terminar, e dobrada que fosse se chegaria ao reino do Preste-João, de quem tanto se fallava de outiva; avistar-se-hiam as terras das pérolas, dos brilhantes, dos perfumes, dos tapetes, dos damascos, da pimenta, do cravo, das riquezas consideradas as maiores do mundo. Não se penetrara já na zona tórrida, e não se descobrira que ella era habitável? Falleceu, infelizmente, no correr de 1460, o infante Henrique, já nos fins de sua vida glorificado, endeosado pelos seus e admirado na Europa por causa das noticias das terras que tinha descortinado, e que se foram espalhando, apezar das difficuldades de communicações internacionaes naquella época». In J. M. Pereira da Silva, Conferências Públicas, propriedade do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro e Academia Real de Sciencias de Lisboa, Brazil, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, Library University of California, 1892.

Cortesia de IHGB/ARC de Lisboa/JDACT