O Homem
dos Colibris. 1893
«A hora da visita estava quase no
fim, por isso o homem dos colibris cruzava-se ocasionalmente com um ou outro coche
enquanto empurrava o seu carrinho ao longo da estreita faixa de rua entre as mansões
de Newport e o Oceano Atlântico. As senhoras de Newport tinham abandonado as
cartas no início da tarde, algumas para se prepararem para o último e mais importante
baile da época, outras para pelo menos parecer que o faziam. O habitual ruído e
azáfama de Bellevue Avenue tinha-se desvanecido enquanto a elite descansavana expectativa
da noite que se aproximava, deixando para trás apenas o ritmo regular das ondas
a bater nas rochas. A luz começava a desaparecer, mas o calor do dia ainda cintilava
nas fachadas brancas de pedra calcária das grandes casas empoleiradas ao longo da
falésia como uma colecção de bolos de noiva, disputando entre si a mais fabulosa
confecção. Mas o homem dos colibris, que envergava uma casaca empoeirada e um
amarrotado chapéu de coco cinzento, uma maltrapilha semelhança a uma
indumentária de noite, não parou para admirar a varanda de Breakers, ou os torreões
de Beaulieu, ou as fontes Rhinelander que se podiam ver através das extremidades
de teixo dos portões dourados. Ele seguiu a estrada, assobiando e fazendo
estalidos para os animais que transportava nas suas gaiolas cobertas de negro, para
que eles pudessem ouvir sons familiares na sua última viagem. O seu destino era
o château francês mesmo antes da ponta,
a maior e mais elaborada criação numa rua de superlativos, Sans Souci, o chalé de
verão da família Cash. A bandeira britânica esvoaçava sobre uma das torres, o emblema
da família Cash sobre a outra.
Parou na casa do porteiro e o porteiro
apontou-lhe a entrada do estábulo a oitocentos metros. Enquanto ele caminhava até
ao outro lado dos terrenos, luzes laranja começavam a perfurar o crepúsculo; os
criados caminhavam pela casa e pelos terrenos para acender lanternas chinesas cobertas
de seda âmbar. Quando acabou de passar pelo terraço, ficou deslumbrado com um
feixe de luz baixo do Sol que desaparecia refractado pelas longas janelas do salão
de baile. Na Sala dos Espelhos, que os visitantes que tinham estado em Versalhes
afirmavam ser ainda mais espectacular do que a original, a Cash, que tinha enviado
oitocentos convites para o baile daquela noite, olhava para si própria reflectida
no infinito. Ela bateu com o pé, esperando impacientemente que o Sol desaparecesse
para poder ver o efeito total do seu traje. Rhinehart esperava, a suar da testa,
provavelmente a suar mais do que o calor provocava.
Basta pressionar esta válvula de borracha
e fica tudo iluminado? Exatamente, Cash, é só agarrar firmemente o tubo e todas
as luzes se acenderão com um efeito verdadeiramente celestial. Devo recordar que
o momento será breve. As pilhas são pouco eficazes e eu coloquei no traje apenas
a quantidade compatível com o movimento fluido. Quanto tempo tenho, Rhinehart? Muito
difícil de dizer, mas provavelmente não mais de cinco minutos. Para além desse tempo
não posso garantir a sua segurança. Mas a Cash não estava a ouvir. Limites era
coisa que não lhe interessava. O brilho rosado do final de tarde mergulhava na escuridão.
Estava na hora. Ela agarrou no tubo de borracha com a mão esquerda e ouviu um ligeiro
crepitar enquanto a luz viajava através das cento e vinte lâmpadas do seu vestido
e cinquenta do diadema. Foi como se tivesse começado um fogo de artifício no salão
de baile espelhado.
Enquanto se virava lentamente,
lembrou-se dos iates no porto de Newport iluminados para a recente visita do
imperador alemão. A vista traseira e a tão esplêndida como a frontal; a cauda que
caía dos seus ombros parecia uma faixa de céu nocturno. Ela fez um sinal de
satisfação com a cabeça e largou o tubo. A sala ficou na escuridão até que surgiu
um criado para acender os candelabros. É exactamente o efeito que esperava. Pode
enviar a conta. O eletricista limpou a testa com um lenço algo sujo, sacudiu a cabeça
num gesto parecido com uma vénia e voltou-se para se retirar. Rhinehart! O homem
gelou sobre o parqué brilhante. Acredito que foi tão discreto como pedi. Não se
tratava de uma pergunta. Oh sim, Cash. Fiz tudo sozinho, e foi por isso que só o
consegui entregar hoje. Trabalhei nele todas as noites na oficina depois de todos
os aprendizes se terem ido embora. Óptimo. Uma despedida. A Cash voltou-se e dirigiu-se
até à outra extremidade da sala dos Espelhos onde dois criados esperavam para abrir
a porta. Rhinehart desceu a escadaria de mármore, deixando uma mancha de humidade
no frio corrimão». In Daisy Goodwin, A Última Duquesa, 2010, tradução de Madalena Boléo, A
Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-407-9.
Cortesia EdosLivros/JDACT