domingo, 4 de outubro de 2015

A Última Duquesa. Daisy Goodwin. «Basta pressionar esta válvula de borracha e fica tudo iluminado? Exatamente, Cash, é só agarrar firmemente o tubo e todas as luzes se acenderão com um efeito verdadeiramente celestial»

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O Homem dos Colibris. 1893
«A hora da visita estava quase no fim, por isso o homem dos colibris cruzava-se ocasionalmente com um ou outro coche enquanto empurrava o seu carrinho ao longo da estreita faixa de rua entre as mansões de Newport e o Oceano Atlântico. As senhoras de Newport tinham abandonado as cartas no início da tarde, algumas para se prepararem para o último e mais importante baile da época, outras para pelo menos parecer que o faziam. O habitual ruído e azáfama de Bellevue Avenue tinha-se desvanecido enquanto a elite descansavana expectativa da noite que se aproximava, deixando para trás apenas o ritmo regular das ondas a bater nas rochas. A luz começava a desaparecer, mas o calor do dia ainda cintilava nas fachadas brancas de pedra calcária das grandes casas empoleiradas ao longo da falésia como uma colecção de bolos de noiva, disputando entre si a mais fabulosa confecção. Mas o homem dos colibris, que envergava uma casaca empoeirada e um amarrotado chapéu de coco cinzento, uma maltrapilha semelhança a uma indumentária de noite, não parou para admirar a varanda de Breakers, ou os torreões de Beaulieu, ou as fontes Rhinelander que se podiam ver através das extremidades de teixo dos portões dourados. Ele seguiu a estrada, assobiando e fazendo estalidos para os animais que transportava nas suas gaiolas cobertas de negro, para que eles pudessem ouvir sons familiares na sua última viagem. O seu destino era o château francês mesmo antes da ponta, a maior e mais elaborada criação numa rua de superlativos, Sans Souci, o chalé de verão da família Cash. A bandeira britânica esvoaçava sobre uma das torres, o emblema da família Cash sobre a outra.
Parou na casa do porteiro e o porteiro apontou-lhe a entrada do estábulo a oitocentos metros. Enquanto ele caminhava até ao outro lado dos terrenos, luzes laranja começavam a perfurar o crepúsculo; os criados caminhavam pela casa e pelos terrenos para acender lanternas chinesas cobertas de seda âmbar. Quando acabou de passar pelo terraço, ficou deslumbrado com um feixe de luz baixo do Sol que desaparecia refractado pelas longas janelas do salão de baile. Na Sala dos Espelhos, que os visitantes que tinham estado em Versalhes afirmavam ser ainda mais espectacular do que a original, a Cash, que tinha enviado oitocentos convites para o baile daquela noite, olhava para si própria reflectida no infinito. Ela bateu com o pé, esperando impacientemente que o Sol desaparecesse para poder ver o efeito total do seu traje. Rhinehart esperava, a suar da testa, provavelmente a suar mais do que o calor provocava.
Basta pressionar esta válvula de borracha e fica tudo iluminado? Exatamente, Cash, é só agarrar firmemente o tubo e todas as luzes se acenderão com um efeito verdadeiramente celestial. Devo recordar que o momento será breve. As pilhas são pouco eficazes e eu coloquei no traje apenas a quantidade compatível com o movimento fluido. Quanto tempo tenho, Rhinehart? Muito difícil de dizer, mas provavelmente não mais de cinco minutos. Para além desse tempo não posso garantir a sua segurança. Mas a Cash não estava a ouvir. Limites era coisa que não lhe interessava. O brilho rosado do final de tarde mergulhava na escuridão. Estava na hora. Ela agarrou no tubo de borracha com a mão esquerda e ouviu um ligeiro crepitar enquanto a luz viajava através das cento e vinte lâmpadas do seu vestido e cinquenta do diadema. Foi como se tivesse começado um fogo de artifício no salão de baile espelhado.
Enquanto se virava lentamente, lembrou-se dos iates no porto de Newport iluminados para a recente visita do imperador alemão. A vista traseira e a tão esplêndida como a frontal; a cauda que caía dos seus ombros parecia uma faixa de céu nocturno. Ela fez um sinal de satisfação com a cabeça e largou o tubo. A sala ficou na escuridão até que surgiu um criado para acender os candelabros. É exactamente o efeito que esperava. Pode enviar a conta. O eletricista limpou a testa com um lenço algo sujo, sacudiu a cabeça num gesto parecido com uma vénia e voltou-se para se retirar. Rhinehart! O homem gelou sobre o parqué brilhante. Acredito que foi tão discreto como pedi. Não se tratava de uma pergunta. Oh sim, Cash. Fiz tudo sozinho, e foi por isso que só o consegui entregar hoje. Trabalhei nele todas as noites na oficina depois de todos os aprendizes se terem ido embora. Óptimo. Uma despedida. A Cash voltou-se e dirigiu-se até à outra extremidade da sala dos Espelhos onde dois criados esperavam para abrir a porta. Rhinehart desceu a escadaria de mármore, deixando uma mancha de humidade no frio corrimão». In Daisy Goodwin, A Última Duquesa, 2010, tradução de Madalena Boléo, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-407-9.

Cortesia EdosLivros/JDACT