Afonso VI, o rei das cinco esposas e duas concubinas (1073-1085)
«(…) Mais ênfase demonstraria posteriormente o frade António Brandão na
sua Monarchia Lusitana (1632), ao tratar o mesmo tema sustentando
que o rei se tinha casado com dona Jimena. Um sentimento transformado em
indignação, no caso do padre José Barbosa, membro da Academia Real da História,
o qual, no seu Catálogo das rainhas
(1727), negava qualquer possibilidade de ilegitimidade para dona Teresa. Curiosamente,
a polémica que surgiu por causa disto, entre académicos portugueses e
espanhóis, produziu-se no mesmo período em que havia desavenças entre as
respectivas cortes, por causa do matrimónio da infanta dona Bárbara de Bragança,
filha de João V, com o príncipe de Astúrias, futuro Fernando VI de Espanha. O
padre Barbosa chegou a pôr em dúvida a fiabilidade de uma lápide, supostamente
pertencente ao sepulcro de dona Jimena, peça encontrada por essas alturas no mosteiro
de San Andrés de la Vega de Espinareda (hoje no Museu de Leão), situado no
Bierzo. Nela, por boca de um monge anónimo, dona Jimena reconhecia a irregularidade
dos seus amores, surgidos, segundo esses versos em latim, no momento em que o
rei tinha ficado viúvo. Depois de quase três séculos, há que reconhecer que o
académico português não estava errado ao descartar a hipótese da lápide como
sendo válida, embora por motivos diferentes dos sustentados por ele, já que a
cronologia dos factos não encaixa com o que afirmam os versos gravados. No
primeiro caso, porque dona Inês de Aquitânia, a primeira esposa do rei, morreu (ou
ele separou-se dela) em 1076. E
Afonso voltou a casar-se, com dona Constança de Borgonha, entre finais de 1079 e começos de 1080. Se as filhas de dona Jimena tivessem nascido antes, tal faria
de uma delas a primogénita do rei, quando as fontes sempre sustentaram que este
posto pertencia à infanta dona Urraca. No segundo caso, porque a rainha dona Constança
morreu em 1093 e o rei voltou a
casar-se antes de 1095. Isto
significa que ao terem nascido as filhas de dona Jimena nesse lapso de tempo,
Elvira, que se casou em 1094, teria
então um ano de idade e teria ficado grávida do seu primeiro filho aos dez anos
de idade, o que não está de acordo nem com a biologia nem com os costumes da
época. Por outro lado, uma análise da grafia da peça museológica em questão
permitiu datá-la como sendo dos finais do
século XIII. Para além do mais, segundo os especialistas, o texto [...] merece pouca fé; o facto de se
encontrar nesse cenóbio leonês também não obriga a acreditar que a princesa
tivesse sido enterrada ali. Esta lápide situa a morte de dona Jimena
em 1128. Mas num documento
confirmado por dona Teresa em 1120, esta
roga pela alma dos seus pais, formulada no plural, o que, estando o seu pai já
morto, faria pensar que a sua mãe teria então já falecido. Em 1125, voltaria a pedir, mais
explicitamente, pela alma do meu pai e da
minha mãe.
Embora a ilegitimidade do nascimento de dona Teresa seja aceite hoje em
dia como um facto histórico, isso não impede que se analise o assunto de uma
perspectiva mais ampla, baseando-nos na consideração de que as suas origens,
supostamente irregulares, nunca foram utilizadas, nem sequer mencionadas,
enquanto ela foi viva, como arma para tornar ilegítima a sua posição, algo que
no clima aceso de então, e ainda para mais tratando-se de uma mulher, teria
sido útil para a parte rival, como se fez depois devido à sua relação sentimental
com o conde Fernando Pêrez. É verdade que então a ilegitimidade de nascimento
era moeda corrente (não tanto nas dinastias reais), mas isso não autoriza pensar
que os homens dessa época carecessem da astúcia para utilizar as suas
conotações negativas ao serviço dos seus fins, do mesmo modo que eram capazes de
encontrar soluções jurídicas sofisticadas para problemas como aquele que se
apresentava a Afonso VI, relativamente à falta de um herdeiro varão. É notório
que este rei podia ser muito audaz quando se tratava da sucessão.
Isto deixa aberta a possibilidade de que Afonso VI recorresse a outra
solução que não o simples e linear concubinato com dona Jimena, algo diferente
do matrimónio religioso, segundo mandavam os cânones, e que lhe estava vedado,
pois encontrava-se casado com dona Constança. Convém lembrar relativamente a
isto que, não obstante ter sido estabelecido desde o século IV, o matrimónio
canónico ainda não se tinha imposto em todos os seus termos. Também não se
deve esquecer que o mesmíssimo papa Gregório VII, quase sempre intransigente
relativamente a normas morais, se tinha mostrado excepcionalmente tolerante
relativamente à ilegitimidade canónica do casamento do rei com dona Constança. Com
base em considerações rigorosamente históricas, Afonso VI podia ter contraído
com dona Jimena um matrimónio a termo,
instituição pouco conhecida e estudada, mas nem por isso menos contemplada
dentro de quatro diferentes contextos culturais presentes, na altura, na
Península Ibérica». In Marsilio Cassotti, D. Teresa, A Primeira Rainha de Portugal,
Prefácio de G. Oliveira Martins, Attilio Locatelli, A Esfera dos Livros, 2008,
ISBN 978-989-626-119-1.
Cortesia da Esfera dos Livros/JDACT