quinta-feira, 1 de outubro de 2015

A Primeira Rainha de Portugal. Dona Teresa. Marsilio Cassotti. «… porque dona Inês de Aquitânia, a primeira esposa do rei, morreu (ou ele separou-se dela) em 1076. E Afonso voltou a casar-se, com dona Constança de Borgonha, entre finais de 1079»

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Afonso VI, o rei das cinco esposas e duas concubinas (1073-1085)
«(…) Mais ênfase demonstraria posteriormente o frade António Brandão na sua Monarchia Lusitana (1632), ao tratar o mesmo tema sustentando que o rei se tinha casado com dona Jimena. Um sentimento transformado em indignação, no caso do padre José Barbosa, membro da Academia Real da História, o qual, no seu Catálogo das rainhas (1727), negava qualquer possibilidade de ilegitimidade para dona Teresa. Curiosamente, a polémica que surgiu por causa disto, entre académicos portugueses e espanhóis, produziu-se no mesmo período em que havia desavenças entre as respectivas cortes, por causa do matrimónio da infanta dona Bárbara de Bragança, filha de João V, com o príncipe de Astúrias, futuro Fernando VI de Espanha. O padre Barbosa chegou a pôr em dúvida a fiabilidade de uma lápide, supostamente pertencente ao sepulcro de dona Jimena, peça encontrada por essas alturas no mosteiro de San Andrés de la Vega de Espinareda (hoje no Museu de Leão), situado no Bierzo. Nela, por boca de um monge anónimo, dona Jimena reconhecia a irregularidade dos seus amores, surgidos, segundo esses versos em latim, no momento em que o rei tinha ficado viúvo. Depois de quase três séculos, há que reconhecer que o académico português não estava errado ao descartar a hipótese da lápide como sendo válida, embora por motivos diferentes dos sustentados por ele, já que a cronologia dos factos não encaixa com o que afirmam os versos gravados. No primeiro caso, porque dona Inês de Aquitânia, a primeira esposa do rei, morreu (ou ele separou-se dela) em 1076. E Afonso voltou a casar-se, com dona Constança de Borgonha, entre finais de 1079 e começos de 1080. Se as filhas de dona Jimena tivessem nascido antes, tal faria de uma delas a primogénita do rei, quando as fontes sempre sustentaram que este posto pertencia à infanta dona Urraca. No segundo caso, porque a rainha dona Constança morreu em 1093 e o rei voltou a casar-se antes de 1095. Isto significa que ao terem nascido as filhas de dona Jimena nesse lapso de tempo, Elvira, que se casou em 1094, teria então um ano de idade e teria ficado grávida do seu primeiro filho aos dez anos de idade, o que não está de acordo nem com a biologia nem com os costumes da época. Por outro lado, uma análise da grafia da peça museológica em questão permitiu datá-la como sendo dos finais do século XIII. Para além do mais, segundo os especialistas, o texto [...] merece pouca fé; o facto de se encontrar nesse cenóbio leonês também não obriga a acreditar que a princesa tivesse sido enterrada ali. Esta lápide situa a morte de dona Jimena em 1128. Mas num documento confirmado por dona Teresa em 1120, esta roga pela alma dos seus pais, formulada no plural, o que, estando o seu pai já morto, faria pensar que a sua mãe teria então já falecido. Em 1125, voltaria a pedir, mais explicitamente, pela alma do meu pai e da minha mãe.
Embora a ilegitimidade do nascimento de dona Teresa seja aceite hoje em dia como um facto histórico, isso não impede que se analise o assunto de uma perspectiva mais ampla, baseando-nos na consideração de que as suas origens, supostamente irregulares, nunca foram utilizadas, nem sequer mencionadas, enquanto ela foi viva, como arma para tornar ilegítima a sua posição, algo que no clima aceso de então, e ainda para mais tratando-se de uma mulher, teria sido útil para a parte rival, como se fez depois devido à sua relação sentimental com o conde Fernando Pêrez. É verdade que então a ilegitimidade de nascimento era moeda corrente (não tanto nas dinastias reais), mas isso não autoriza pensar que os homens dessa época carecessem da astúcia para utilizar as suas conotações negativas ao serviço dos seus fins, do mesmo modo que eram capazes de encontrar soluções jurídicas sofisticadas para problemas como aquele que se apresentava a Afonso VI, relativamente à falta de um herdeiro varão. É notório que este rei podia ser muito audaz quando se tratava da sucessão.
Isto deixa aberta a possibilidade de que Afonso VI recorresse a outra solução que não o simples e linear concubinato com dona Jimena, algo diferente do matrimónio religioso, segundo mandavam os cânones, e que lhe estava vedado, pois encontrava-se casado com dona Constança. Convém lembrar relativamente a isto que, não obstante ter sido estabelecido desde o século IV, o matrimónio canónico ainda não se tinha imposto em todos os seus termos. Também não se deve esquecer que o mesmíssimo papa Gregório VII, quase sempre intransigente relativamente a normas morais, se tinha mostrado excepcionalmente tolerante relativamente à ilegitimidade canónica do casamento do rei com dona Constança. Com base em considerações rigorosamente históricas, Afonso VI podia ter contraído com dona Jimena um matrimónio a termo, instituição pouco conhecida e estudada, mas nem por isso menos contemplada dentro de quatro diferentes contextos culturais presentes, na altura, na Península Ibérica». In Marsilio Cassotti, D. Teresa, A Primeira Rainha de Portugal, Prefácio de G. Oliveira Martins, Attilio Locatelli, A Esfera dos Livros, 2008, ISBN 978-989-626-119-1.

Cortesia da Esfera dos Livros/JDACT