quinta-feira, 7 de junho de 2012

Fábula. O Ms 440. Carlos Zuzarte Rôlo. «Algumas imagens aqui inseridas poderão dar ideia da beleza deste manuscrito que me parece estruturado mais como um almanaque do que como qualquer outro tipo de livro, não podendo deixar de se pôr a hipótese de se tratar de um exemplar destinado a ser impresso»



Cortesia de plátano e jdact

«Nas minhas andanças pelas bibliotecas deste país tenho vindo a tirar do pó e esquecimento alguns documentos, não que seja perito nem publicista, sou antes um curioso, apaixonado, por linhas escritas à mão. Um dia em Coimbra, na Secção de Manuscritos da Biblioteca Geral da Universidade, procurava cotejar dois manuscritos. Um da BGUC e outro da Biblioteca Pública de Évora, escritos no século XVII com o mesmo título e do mesmo autor, um engenhoso Pe. jesuíta que veio para Portugal dar aulas e missionar, o Pe Cristóvão Borri (Milão 1583 - Roma 1632) que entre outras teve a ideia de atar um quadrante náutico à ponta de um mosquete para melhor determinar a altura dos astros, "atirando-lhes". Quem andou no mar e navegou observando os astros, sabe bem o quanto de prático esta ideia encerra. Também quis que as naus embarcassem enormes ampulhetas, que desenhou, cheias com uma areia "secreta", para que pudessem "levar a hora". Adiante... Encontrando-me na sala dos manuscritos pedi o manuscrito e comecei a verificar diferenças. Depois... tive sorte.

De repente, (o fulano de tal) pessoa afável e conhecedora dos fundos da Biblioteca, encarregado da digitalização de documentos, apareceu ao meu lado com um manuscrito, perguntando-me se não me apetecia dar-lhe uma vista de olhos. Ao abrir o encadernado fiquei estupefacto com a beleza. Muitas páginas totalmente coloridas contendo gráfìcos, tabelas e figuras com partes móveis (alidades) sucederam-se perante os meus olhos. Entusiasmado telefonei (…), dizendo-lhe que tinha encontrado uma Fábula, nome com que baptizei o Ms. 440 da BGUC, tratando-o assim desde essa altura.
Na mesma ocasião comuniquei a José Malhão Pereira, amigo e mestre, que se mostrou muito interessado e logo acordamos pagar "a meias" a digitalização do documento, que foi primorosamente executada. Este manuscrito não é um ilustre desconhecido, o Prof. Luís Albuquergue e o Doutor Luís Nunes Carolino, decerto entre outros, citaram-no.
O catálogo dos manuscritos: códices 251 a 555. Coimbra: BGUC, 1945, n" 440, reserva-lhe a seguinte descrição:
  • Volume brochado em pergaminho flexível, [III, 140] em branco e 2 de guarda, tem por título completo “Livro das lembra(n)cãs dos planetas repartido em quatro / tratados: o prim(ei)ro trata da [Lua] o 2º do [sol] / o 3º dos 5 planetas o 4 trata de cousas diffe/rentes e curiosas – algu(m)as vam em latim e outras em / Roma(a)ce pêra que que(m) o não souber posa gosar das que / achar em Romance - e tudo sub Censura Sanctae / Matris Ecclesiae feíto este anno de 1593 ad laude(m) dei.
Profusamente ilustrado a cores, com desenhos e tabelas, diversas das suas imagens têm componentes quínéticas, complexas nalguns casos, algumas já incompletas. Acrescenta-se que a BGUC declara não ter ideia da proveniência do manuscrito mas acredita tratar-se de original.
Algumas imagens aqui inseridas poderão dar ideia da beleza deste manuscrito que me parece estruturado mais como um almanaque do que como qualquer outro tipo de livro, não podendo deixar de se pôr a hipótese de se tratar de um exemplar destinado a ser impresso.
A frase – “e tudo sub Censura Sanctae Matris Ecclesiae”, contida no título, o picotado das páginas para que se reproduzissem por igual, a normalização das figuras e escritos a marca de água existente e o tipo de papel tudo indicia a intenção de vir a ser feita uma obra impressa na linha do magnífico “Astronomicum Caesareum”, um dos livros que fez história, quer como obra gráfica quer como científica. O “Astronomícum Caesareum” uma astronomia de Ptolomeu reescrista e impressa por Petrus Apianus (Pedro Apiano] em Ingolstadt, colorido à mão e com figuras com alidades foi oferecido a Carlos V em 1540.
O MS 440 inicia-se por uma página com título e índice, este incompleto, em português (romance e em latim) onde estão referidas as gravuras e as páginas de texto». In Carlos Zuzarte Rôlo, Fábula, O Ms 440, revista Plátano, Revista de Arte e Crítica de Portalegre, nº 4, 2008, Fórmula Gráfica.

Continua
Cortesia de Plátano/JDACT