quinta-feira, 31 de agosto de 2023

No 31. A Sala das Perguntas Fernando Campos. «Oficialmente ninguém. Seria desacreditar tão feroz poder. Mas oficiosamente… Mesmo assim... Mesmo assim, só quem tivesse poder para isso, o inquisidor-geral em pessoa. O rei era jovem e visionário…»

 

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Enigma Ómega 1941

Uma janela no crânio

«(…) Os pedreiros, o coveiro, já lá estariam? Desmontar o túmulo, trasladar para a igreja de São Pedro as pesadas lápides, a do brasão, a que é encimada pela cabeça de Damião, não ía ser fácil. Não estava o amigo incumbido da trasladação pela Direcção-Geral.

Meu caro doutor, providenciei tudo.

Alcobaça? Alenquer? Mistério!... E esse papel, esse papel... ou papéis, que ainda conservava na mão? Talvez o diário a que ele próprio se referia no processo...

Talvez…

Os inquisidores fizeram-no surnir.

Não me admiraria nada.

E, não estava ele preso na Batalha? A sentença dos inquisidores condenara-o a cárcere penitencial perpétuo em lugar que Sua Alteza designaria...

O rei Sebastião ou o cardeal Henrique?

Luciano estava em crer que havia sido o inquisidor-geral, o cardeal, a indicar o mosteiro da Batalha. O superior de Santa Maria da Vitória, frei Francisco Pereira, frei António Nogueira e outros dominicanos receberam o preso das mãos de Rui Fernandes, solicitador do Santo Ofício (maldito), a dezasseis de Dezembro de mil e quinhentos e setenta e dois, e do acto lavraram certidão. Como havia aparecido então ali, no caminho ou em casa? Quem teria a coragem de, em tempos de tanto medo e perigo, se abalançar a soltar o condenado? O superior e os frades do mosteiro? Não, certamente. Cairiam nas garras do Santo Ofício (maldito) e isso constaria...

Então quem?

Oficialmente ninguém. Seria desacreditar tão feroz poder. Mas oficiosamente… Mesmo assim...

Mesmo assim, só quem tivesse poder para isso, o inquisidor-geral em pessoa. O rei era jovem e visionário. Dava lá a atenção a isso... Há quem admita ainda a comutação da pena...

Não pode ser. Estaria no processo e, que eu saiba... e Hipólito fazia menção de folhear de novo os papéis.

Também lhe parecia a Luciano. Dessem então por certo que Damião havia falecido na sua casa de Alenquer. Porque não supor que aí estivesse sob custódia?

Por mor de quê?

Se o amigo atentasse mais uma vez no texto do processo, acharia que, quando os inquisidores lavraram o acórdão de condenação a cárcere perpétuo, tiveram o cuidado de estabelecer que não fosse recebido à reconciliação e união da Igreja-ern público, mas somente na Mesa diante dos inquisidores, vista a qualidade da pessoa do réu». In Fernando Campos, A Sala das Perguntas, Difel 82, 1998, ISBN 972-290-437-X.

Cortesia de Difel/JDACT

 JDACT, Fernando Campos, Literatura, História, O Saber, Cultura, Damião de Góis,