domingo, 31 de março de 2024

No 31. A Pintura de Paisagem na Poesia de Nuno Júdice. Para uma Leitura Gnóstica e Geopoética do Mundo. Egídia Souto.«Na esfera da história das artes plásticas portuguesas, a paisagem assume um carácter totalmente independente com o romantismo e posteriormente com a vigência da estética naturalista…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«É uma paisagem teatro do mundo, onde dialogam essencialmente filosofia, religião e pintura, que o poeta Nuno Júdice tenta alcançar. O sujeito poemático testemunha as metamorfoses pelas quais vai passando o cosmos. Estar no mundo, em harmonia com este, pressupõe uma nova filosofia onde a paisagem é mais filosófica e poética que geográfica - palimpsesto de todos os possíveis. O poeta, num eixo géo-poético e pluridisciplinar, cria uma paisagem que nasce de uma cosmologia criativa e de uma natureza inabitada e elegíaca, sublimada muitas vezes pelo quadro. Não será a pintura de paisagem um caminho para a perfeição? Ou talvez uma resposta para o lugar do ser no mundo, numa absoluta fusão do corpo com o poema? Ou será a pintura de paisagem uma contemplação do eu à espera da revelação?» In Resumo

«Nuno Júdice é uma das vozes poéticas mais significativas da literatura portuguesa desde os anos setenta. Na sua obra a paisagem e particularmente a pintura de paisagem são fundamentais como afirma o próprio: A minha relação com a natureza é determinante para o nascimento do poema, e isso tem a ver com a memória das estações, o clima. Mas o mais importante é o lado de transformações e variedade da paisagem

É uma paisagem teatro do mundo, onde dialogam filosofia, religião e pintura, que o poeta Nuno Júdice tenta alcançar desde a Noção de Poema (1972). A paisagem metamorfoseada que o poeta nos dá a ler, é um espelho da realidade. Como se pode ler em As Máscaras do Poema (1998) : Vemos então que a metáfora exige a presença de um contexto duplo: o de uma realidade, que se refere ao sujeito e transporta uma relação inconsciente desse sujeito como no seu todo ou em parte; e o de uma outra cena, em que uma peça destacada desse real vai sofrer uma outra designação, introduzindo um elemento de estranheza na percepção do real pelo sujeito. (AMP, 65)

Perante estas afirmações coloca-se a questão de compreender, na senda de Novalis, Heidegger, Kant e Edmund Burke, a transformação do sujeito através da paisagem. Mas de que forma é que o poeta transforma por seu turno a paisagem? Não será a pintura um caminho para o absoluto ? Ou será uma contemplação do eu à espera da revelação? Para responder a esta problemática, a minha leitura, à luz dos conceitos de ekphrasis, concederá uma grande importância ao mar lugar sagrado que atravessa toda esta obra. Tomarei como linha directiva a géo-poética defendida por Kenneth White. Trata-se não apenas de alcançar perspectivas geográficas, artistas ou filosóficas mas sim de caminhar, de traçar e calcorrear rotas que incluam o mundo, os homens e os lugares. Kenneth White refere que: La géopoétique, basée sur la trilogie éros, logos et cosmos, crée une cohérence générale – c’est cela que j’appelle « un monde.

Ora a paisagem que nós dá a ler e a ver Nuno Júdice aproxima-se de um certo panteísmo espinosiano no sentido em que esta surge como símbolo de reencontro com o sublime e o cosmos. E isto num ponto de vista que procura ascender às zonas de obscuridade do homem face si mesmo à procura de explicações da vida levando-nos a pensar no que Heidegger designava por dasein. Como se pode ler nestes versos de Estado dos Campos: O que corresponde ao reconhecimento do mundo, ou aquilo que, para uns, é uma explicação da vida, está contido nessa dimensão da natureza que nos é inacessível (…).

Antes de me debruçar em exemplos concretos de ecfrasis onde veremos inventariadas paisagens impressionistas e românticas começo por expor algumas noções de paisagem, a nível histórico. Michel Collot, um dos nomes mais significativos da geografia literária considera que le paysage est un carrefour où se rencontrent des éléments venus de la nature et la culture, de la géographie et de l’histoire, de l’intérieur et de l’extérieur, de l’individu et de la collectivité, du réel et du symbolique. Se, antes do século XIX, a noção de paisagem é pouco empregue e significa um país, e uma porção de espaço, hoje este conceito é interdisciplinar. Em Portugal, foi em 1567 que surgiu pela primeira vez com o nome de paugagem, numa referência na quarta parte de Crónica do Sereníssimo Senhor Rei D. Manuel de Damião de Góis.

No entanto é principalmente na época romântica que a paisagem se torna grande produtora de emoções e de experiências subjectivas como constata a historiadora Diana dos Santos. O gosto pela natureza e pelo sublime desenvolveu-se a partir do século XVIII em Inglaterra e Alemanha e é em torno desta estética que nos reunimos hoje. Pois para Nuno Júdice é primordial o retorno, quase metafísico, à natureza numa concepção de Schelling que implica um sistema que reúne Natureza e espírito com o intuito de atingir o absoluto» In Egídia Souto, A Pintura de Paisagem na Poesia de Nuno Júdice. Para uma Leitura Gnóstica e Geopoética do Mundo, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Via Panorâmica, Porto,  Instituto de Filosofia, Universidade do Porto, ifilosofia@letras.up.pt.

 Cortesia de FaculdadeLetrasUniversidadePorto/JDACT

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