segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Política. História. Cidadania. Jaime Cortesão. Elisa N. Travessa «… promoção de uma cultura mais abrangente do povo português, por meios diversos e tendo por suporte uma intenção de intervenção cívica e cultural dos intelectuais»

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O contributo de Jaime Cortesão. Concretização do sonho
«(…) Esta última carta foi escrita durante a polémica que o opôs a Cortesão nas páginas de A vida Portuguesa. Ela confirma a ruptura de Sérgio com a Renascença evidenciando, como principal motivo, a divergência em relação ao credo da Saudade que Pascoaes pretendia impor como doutrina do movimento. Sérgio explica mais tarde os fundamentos do seu afastamento da Renascença considerando que no seu interior existiam dois ramos divergentes que alimentavam dois sectores socialmente antagónicos, a saber: o ramo anti-intelectualista e o ramo intelectualista. Sérgio filiava-se no segundo, radicando a sua divergência na oposição à tendência saudosista que Pascoaes apresentou como sendo a doutrina de toda a Renascença: resolvi declarar o meu desacordo com todos os anti-intelectuais e saudosismos, e seguir sozinho o meu rumo próprio aproveitando as facilidades de carácter editorial que a Renascença Portuguesa me proporcionava. Tendência que determina também o afastamento e a dissidência do grupo de Lisboa, explicada por Proença com alguns dos argumentos utilizados por Sérgio. Não existiu pois uma ruptura total com a Renascença e as suas iniciativas. Embora discordando da tendência saudosista que Pascoaes lhe imprimiu, continuam a vincular-se aos objectivos mais gerais dos Estatutos da Sociedade, que propugnavam pela promoção de uma cultura mais abrangente do povo português, por meios diversos e tendo por suporte uma intenção de intervenção cívica e cultural dos intelectuais: em suma, passam da dissidência a uma colaboração distanciada, pontual e crítica.
Retomemos, entretanto, o rumo de Cortesão que seguia entusiasticamente a sua obra no seio da Renascença, sobretudo com o lançamento de A Vida Portuguesa. cujo primeiro número seria publicado em 31 de Outubro de 1912. Para além das iniciativas pedagógicas, Cortesão publica na 2ª série de A Águia artigos de reflexão e alguns poemas. Interessa-nos destacar um desses artigos porque nele se determina com maior precisão a sua posição face às tendências que se formaram na Renascença. Constitui, no dizer de António Reis, uma resposta às críticas de Proença e Sérgio relativamente às orientações da revista e do movimento, embora sem nenhuma referência directa aos dois amigos. Neste artigo, reconhece que um dos grandes males dos portugueses seja a fraqueza, o pessimismo, o abandono fatalista que se projecta numa hesitação da vontade, impulsiva e brusco de carácter efémero e pouco consistente. Havia então que acordar uma vontade adormecida e o único meio de o conseguir seria despertando os impulsos afectivos, educando a vontade, alicerçando-se nas teorias da psicologia experimental de Ribot e Payot.
Um desvanecimento da consciência nacional que teria de ser reafirmada pela valorização dos sentimentos, da consciência histórica e da fisionomia espiritual do povo português. As causas desse mal, dessa pantanosa inércia do povo português, identifica-a Cortesão, na senda de Antero e Herculano e também de Pascoaes, com a educação jesuítica, que desde o meado do século XVI até hoje ainda nos não abandonou e que determinou a falta de consciência nacional, que o nosso povo perdeu ao findar daquele século e que só agora entra palidamente a afirmar-se. Encontramos então uma valorização da vontade, na linha de Antero e do movimento do espiritualismo ou idealismo protagonizado por Fouillées, na formação e educação dos cidadãos no contexto social que integram: sem o alicerce da vontade não há carácter, e o que se afirma do indivíduo pode igualmente afirmar-se da colectividade, que, sem os nobres e persistentes caracteres, não realizará obra de fôlego, qual seja a do ressurgimento da nacionalidade. A ideia de que são os sentimentos que governam o mundo, na esteira de Spencer, e, citando Michelet na sua obra Les femmes de la Révolution diz: o advento duma ideia não é tanto a primeira aparição da sua fórmula, como a sua definitiva incubação, quando, depois de ter sido aquecida pelo amor, desabrocha, fecunda pela força do coração, só os impulsos afectivos e vitalistas, os sentimentos originais, poderiam despertar a vontade». In Elisa Neves Travessa, Jaime Cortesão, Sinais do Pendsamento Contemporâneo, Ensaio, Política, História e Cidadania, 1884-1940, ASA Editores, Setembro de 2004, obra adquirida e autografada em Fevereiro de 2006, ISBN 972-41-4002-4.

Cortesia de Edições ASA/JDACT