terça-feira, 27 de setembro de 2022

A Gruta do Escoural e a visita pública. Expectativas e frustrações no cinquentenário da descoberta- António Carlos Silva. «Teve particular sucesso entre os visitantes da época, a exposição naquele Museu de uma grande placa de calcite proveniente da Gruta do Escoural, mostrando dois esqueletos humanos fossilizados, associados a vasos cerâmicos completos»

Cortesia de wikipedia e jdact

«Estão amplamente registadas as circunstâncias da descoberta há meio século (1963) de uma cavidade natural na Herdade da Sala, que ficaria conhecida como Gruta do Escoural, topónimo que recebeu da localidade vizinha de Santiago do Escoural (Santos 1964). O seu potencial arqueológico, reconhecido quase de imediato, graças à presença superficial de numerosos vestígios de uma necrópole pré-histórica, gerou grandes expectativas locais e regionais que viram neste achado um prometedor foco de futura atracção turística. Com efeito, à época em que estes eventos ocorreram, assistia-se na região de Évora a um surto de interesse pelos monumentos arqueológicos, promovido e apoiado pela própria Junta Distrital, que os reconhecia como factores potenciadores de turismo e desenvolvimento (Paço 1963). Data dessa mesma década, por exemplo, o apoio da Junta Distrital às investigações na Anta Grande do Zambujeiro, no Castelo do Giraldo ou mesmo no Cromeleque dos Almendres, monumentos que hoje fazem parte das rotas turísticas da região. A descoberta da Gruta do Escoural, largamente noticiada na imprensa regional, foi desde logo considerada por muitos, como uma nova atracção turística da maior relevância. Não admira pois que, interrompido o indiscriminado e abusivo acesso público verificado nos primeiros dias, iniciados os trabalhos de arqueologia promovidos pelo Museu Etnológico de Belém (actual Museu Nacional de Arqueologia) e noticiadas as primeiras saídas de materiais arqueológicos para Lisboa, a controvérsia se tenha instalado. Em boa parte decorrente de conflitos pessoais e institucionais que nada tinham a ver com esta nova descoberta, esta situação geraria uma inusitada polémica entre o Diretor do Museu, Manuel Heleno, e as autoridades regionais, que tive já oportunidade de relatar circunstanciadamente. Ainda hoje na vila do Escoural, meio século depois destes eventos, persiste alguma incompreensão ou mesmo frustração face ao contraste entre as elevadas expectativas então geradas e os fracos resultados práticos sentidos pela população. Neste trabalho, em que fazemos o balanço do mais recente programa de valorização da Gruta do Escoural promovido pela Direção Regional de Cultura do Alentejo, procuraremos recordar o passivo deste já longo processo, reflectindo sobre os motivos da frustração das expectativas iniciais, e perspectivar, através de propostas concretas, possíveis vias para finalmente colocar este património ao serviço do desenvolvimento local.

A Gruta do Escoural e a visita pública, da descoberta até aos recentes trabalhos de requalificação (1963- 2009)

Farinha Santos, o arqueólogo a quem Manuel Heleno confiou a missão de intervir no Escoural em nome do Museu Etnológico, é parco em informações sobre os trabalhos arqueológicos que dirigiu na Gruta e que se prolongaram nesta primeira fase, por diversas campanhas, pelo menos até 1968. Apoiados financeiramente pela Fundação Gulbenkian, nesses trabalhos participaram essencialmente trabalhadores rurais do Escoural, além de um ou outro técnico do Museu. Uma vez realizado o reconhecimento geral e a topografia da nova cavidade, Farinha Santos iniciou a investigação da vasta necrópole neolítica, com remoção sistemática da espessa placa calcítica que embalava a generalidade das deposições funerárias, seguida da escavação e crivagem dos sedimentos subjacentes, quase sempre até à rocha de base. Os numerosos materiais assim recolhidos, osteológicos, cerâmicos e líticos, eram transferidos para o Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia no final de cada campanha, tendo alguns deles sido rapidamente expostos, talvez como resposta às críticas regionais que não viam com bons olhos, a saída daquele espólio para Lisboa. Teve particular sucesso entre os visitantes da época, a exposição naquele Museu de uma grande placa de calcite proveniente da Gruta do Escoural, mostrando dois esqueletos humanos fossilizados, associados a vasos cerâmicos completos.

Apesar de encerrada ao público durante esta fase da investigação, a Gruta foi regularmente visitada, especialmente após a identificação da arte rupestre paleolítica, por arqueólogos ou outros especialistas, alguns dos quais estrangeiros, situação que ocasionando algum movimento na vila, mais aumentaria a expectativa futura. Após a aposentação de Manuel Heleno, vários indícios apontam para uma melhoria na relação entre Farinha Santos e as entidades locais. Em 1967 este arqueólogo profere uma conferência em Évora sobre a Arte Rupestre do Escoural, colaborando também na preparação da nova sala de arqueologia do Museu Regional. Inaugurada em 1970 no dia internacional dos Museus, incluía uma pequena selecção de materiais provenientes das suas escavações e cedidos pelo Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia. Não temos dados concretos sobre as datas e condições da instalação das primeiras estruturas que permitiriam a visita pública à Gruta do Escoural, mas tudo aponta para que tal se tivesse verificado no final da década de 60, com trabalhos promovidos e financiados pela própria Junta Distrital. Nessa altura foi construída uma escada de alvenaria vencendo o desnível entre o exterior e a grande sala de entrada e instalados estrados de madeira assentes em grossos barrotes de pinho tratado com pês, os quais facilitavam a circulação nas principais galerias, tendo ficado ao serviço até 2009, com pequenas reparações». In António Carlos Silva, A Gruta do Escoural e a visita pública. Expectativas e frustrações no cinquentenário da descoberta, Almansor, Revista de Cultura n.º 1, 3.ª série, 2015, Wikipédia.

Cortesia da Revista Almansor/JDACT

JDACT, Gruta do Escoural, Alentejo, Conhecimento, Cultura, Arqueologia,