quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Pedro IV. A História Não Contada. Paulo Rezzutti. «Portugal preparou-se para o traslado do ex-monarca. Localizaram o corpo no Panteão dos Bragança, no mosteiro lisboeta de São Vicente de Fora, e providenciaram três novos caixões para Pedro…»

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Um morto e quatro e quatro funerais

«No final, São Paulo ganhou a disputa e ficou com o corpo da imperatriz. Dessa forma, dona Leopoldina, que escrevera certa vez à irmã Maria Luísa: nesta corte é necessário um espírito de sacrifício, sob todos os pontos de vista, acabou por ir parar a São Paulo, cidade em que nunca estivera em vida, na famosa colina do Grito, 126 anos depois de morta.

A vinda do corpo de dona Leopoldina abria um precedente. A cripta passava de cenotáfio a um local consagrado pela religião católica, condição imposta pelos trinetos de dona Leopoldina, Pedro Henrique e Pedro Gastão, para que concordassem com o traslado do corpo desde o convento, no Rio de Janeiro, até à colina do Ipiranga. Estava criada, assim, a oportunidade de preencher o outro sarcófago vazio, dedicado a Pedro I.

A possibilidade de trazer o corpo do imperador surgiu 18 anos após a chegada de dona Leopoldina à cripta. Em 1964, foi instaurado no Brasil, a partir de um golpe, um regime militar. O nacionalismo, a exaltação dos símbolos pátrios e das festas cívicas, nas quais se buscava um simulacro de participação política no Estado Nacional, constituíram o cenário perfeito para a apoteótica festa em homenagem aos 150 anos de independência, em 1972. Desse modo, um comité foi instituído pelo presidente Médici visando a preparação das festividades e as diligências junto de outra ditadura, a salazarista, de Portugal, paru a vinda do corpo de Pedro para o Brasil.

Assim, o nosso inquieto imperador atravessaria pela terceira vez o oceano Atlântico, agora para protagonizar um espetáculo repleto de símbolos históricos e religiosos. Transformado pela ditadura brasileira numa verdadeira relíquia sagrada, é de se considerar a opinião que Pedro, paladino liberal e constitucional sem muita paciência para solenidades, teria a respeito de ser usado por um sistema de governo contra o qual provavelmente, se vivo, lutaria.

Opositores e defensores não faltavam na época no Brasil, inclusive entre descendentes de pessoas ligadas intimamente à vida de Pedro, como José Bonifácio Andrada Silva e o marquês de Barbacena. Dois frutos da linhagem do Patriarca da Independência, o deputado federal Zezinho Bonifácio e o general António Carlos Andrada Serpa, estavam ao lado do regime militar, nada, aliás, muito diferente da índole do famoso antepassado, reputado como homem autoritário. Por outro lado, Vinícius Caldeira Brant, sociólogo e ex-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), bem como descendente do marquês de Barbacena, era torturado nos porões da ditadura durante as festividades do Sesquicentenário da Independência.

Portugal preparou-se para o traslado do ex-monarca. Localizaram o corpo no Panteão dos Bragança, no mosteiro lisboeta de São Vicente de Fora, e providenciaram três novos caixões para Pedro: um de madeira, estofado e forrado internamente com tecido, onde o corpo foi acomodado, envolvido por um de chumbo e outro de pau-santo ornado com símbolos portugueses e brasileiros. O peso total era de 250 kg.

O cerimonial em Portugal teve início em 10 de Abril de 1972, quando houve uma cerimónia religiosa no Panteão dos Bragança. Posteriormente, o esquife foi conduzido por soldados portugueses até ao exterior do templo, onde uma força do 5" Batalhão de Caçadores, do qual Pedro fora comandante, prestou ao monarca as devidas honras militares. O caixão foi colocado num veículo do exército e transportado por Lisboa, sob escolta de um esquadrão de cavalaria da Guarda Nacional Republicana, até ao cais de Santa Apolónia, onde veio a ser embarcado no navio Funchal por fuzileiros navais de ambas as nacionalidades. Nesse momento, dois navios de guerra, um brasileiro e um português, deram uma salva de 21 tiros». In Paulo Rezzutti, Pedro IV, A História Não Contada, 2015, Casa das Letras, 2016, ISBN 978-989-741-495-4.

Cortesia da CdasLetras/JDACT

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