quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Joana. A Louca. Rainha Joana I de Espanha. Linda Carlino. «Nessa noite, eu e Filipe estivemos de novo nos braços um do outro..., mas, sabeis, senhor bispo, a verdade é que ele não veio à minha cama por me amar mas porque lho aconselharam. Foi uma precaução contra a insistência da minha mãe…»

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«(…) Voilà un beau prince. A voz condescendente fez com que Joana tivesse vontade de vomitar. Imaginou a cena na sala do trono do rei de França: Filipe, após as três vénias de homenagem obrigatórias, cinco passos afastado do rei, como era requerido, avançaria lentamente para o estrado onde o rei Luís, seu senhor da Borgonha, estaria sentado, observando-o com gloriosa satisfação. E Filipe não conseguiria compreender que, de cada vez que se humilhasse, acentuaria a sua posição como vassalo do rei, encorajando Luís a promover a sua causa. Filipe e os seus conselheiros mais íntimos haviam sido levados directamente à presença do rei. Joana e Fonseca ficaram a vê-los exibirem-se, quais pavões vaidosos, resplandecentes nos seus veludos, cetins e jóias. Vedes como se mostram superiores?, murmurou ela. E não têm um tostão, esperando desesperadamente por um quinhão da futura riqueza de Filipe. Joana estava sentada numa antecâmara, esperando a sua vez de ser apresentada. Fora assim durante toda a viagem por França. O seu estatuto como princesa de Castela e, ainda mais importante, a verdadeira herdeira legítima de toda a Espanha, nunca fora reconhecido. Era Filipe quem era festejado. Nem uma única vez lhe haviam concedido o respeito e a honra que eram seus por direito.
Saltou da cadeira a tremer de indignação, murmurando para o bispo de Córdova, seu companheiro durante a longa viagem para Espanha: Não tolero isto durante muito mais tempo. Filipe é tão estúpido. Não verá que se está a entregar nas mãos de Luís? E ter-se-á esquecido de que foi neste país que a sua irmã Margarida foi mantida prisioneira durante anos, depois de os franceses terem renegado o seu contrato de casamento? Como é que ele pode negociar com eles depois disto? Meu Deus, há momentos em que parece não ter cérebro de espécie nenhuma! - A sua voz endureceu. - Digo-vos mais, hão-de ver como eu, uma princesa com orgulho espanhol, se vai apresentar a este rei francês. Fonseca, bispo de Córdova, convidou-a a acompanhá-lo até ao outro lado da sala, afastando a sua voz alterada das aias e de quem mais a pudesse ouvir. E dar-lhe-ia tempo de a acalmar. A rainha Isabel enviara Fonseca à Flandres porque ouvira que Filipe se propunha viajar sozinho para fazer o juramento da sucessão apesar do seu ódio a Espanha. Isabel insistira que Joana devia igualmente fazer a viagem, afinal era a futura rainha e Filipe apenas o consorte. Sugeriu ainda que apenas a presença de Joana era exigida na cerimónia. Isto foi firmemente rejeitado pelos conselheiros de Filipe.
Passados poucos dias após a chegada de Fonseca com a missiva de Isabel, descobriu que ele não fazia segredo do facto de desejar tanto visitar Espanha como ir para o inferno. Viu que negavam a Joana todo o respeito, sofrendo muita indignidade. Ficou alarmado com o poder que Chimay e Busleyden tinham sobre o arquiduque. Quanto à restante corte de Filipe, achou-os desprezíveis, uma observação bastante caridosa. As suas instruções para que apressasse a partida de Joana e Filipe foram difíceis de levar à prática mas por fim teve êxito. Nos meses que entretanto decorriam era o capelão de Joana, conselheiro e amigo, tendo-a igualmente ajudado a reconstruir o seu orgulho e dignidade. Oferecia-lhe compreensão e orientação sobre como aprender a lidar com a ira e apoiava-a contra as ofensas e as injustiças. Naquele momento fora de novo em seu socorro, oferecendo-lhe o braço para a acompanhar num passeio calmante. Enquanto caminhavam, ela aliviou o que lhe ia no íntimo como se estivesse no confessionário. - Em que é que me transformei? Filipe bate-me como se eu fosse uma criada de servir. Compreendo agora que não me tem amor. Enganou-me pela última vez, nunca mais. Como me recordo bem desse dia. Estive doente por vários dias após aquela horrenda discussão por causa desta viagem e ele visitou-me no meu santuário escurecido. Murmurou palavras melosas junto ao meu rosto sobre compensar-me, dizendo que viria mais tarde aos meus aposentos e podíamos jantar os dois e depois podíamos..., não precisei de mais nada. Mandei afastar as cortinas, abrir as persianas e o sol jorrou, rejuvenescendo as taças e as baixelas de prata, fazendo com que as traças dançassem num frenesim. Zayda, cantando canções de amor, preparou um banho, lavou-me o cabelo e embrulhou-o numa toalha perfumada. O ar ressumava a almíscar e laranjas. Nessa noite, eu e Filipe estivemos de novo nos braços um do outro..., mas, sabeis, senhor bispo, a verdade é que ele não veio à minha cama por me amar mas porque lho aconselharam. Foi uma precaução contra a insistência da minha mãe em relação a apenas eu estar presente. Os conselheiros dele tiveram medo. E tivemos outra filha. Rezo a Deus que a mantenha em segurança, a ela, ao irmão e à irmã nas mãos de Margarida de York». In Linda Carlino, That Other Joana, 2007, Joana, a Louca, Editorial Presença, Lisboa, 2009, tradução de Isabel Nunes, ISBN 978-972-23-4231-5.

Cortesia de EPresença/JDACT