quarta-feira, 12 de abril de 2017

Contos Proibidos. Rui Mateus. «Existiam então relações com a IS de pura camaradagem [sem] nenhum compromisso nem nenhuma ligação orgânica»

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Os anos da inocência, 1944-1974
«(…) Em Janeiro de 1970, Manuel Tito Morais esclarecia-me de que a ASP não é filiada na Internacional Socialista, havendo sérias reticências da parte de alguns companheiros nossos, e com razão, a filiarmo-nos numa organização que toma atitudes um pouco estranhas na política internacional. Contudo, apesar de não sermos filiados eles estão sempre dispostos a ajudar-nos e alguma coisa têm já feito para desmascaração do marcelismo, influindo até junto dos governos ocidentais. Evidentemente que isto que lhe digo é inteiramente confidencial e serve só para o informar da nossa posição... Mas para muitos outros, até 1969, a ASP tinha uma carga social democrata que não agradava a muitos sectores da esquerda [que] para ingressarem na organização de Mário Soares colocaram condições. Defendiam o marxismo como inspiração teórica predominante contra qualquer tentação social-democrata.
Em 1970 a Internacional Socialista examina as suas ligações à Acção Socialista Portuguesa, por pressão de alguns partidos com responsabilidades governamentais, entre os quais se conta o SPD, alarmados com a desproporção entre o discurso dos seus dirigentes e o exíguo apoio popular demonstrado pela CEUD. Por outro lado, Marcello Caetano, convencido das suas boas relações com a administração do Presidente Nixon, tenta convencer os outros parceiros europeus da NATO de que o seu regime irá evoluir progressivamente para uma democracia política. O relatório, de 8 de Março de 1971, da viagem que o então deputado à Assembleia Nacional, Manuel José Homem Mello, efectuara à RFA, a convite do governo alemão, enviado a Marcello Caetano, evidencia isso mesmo. Segundo este antigo caetanista, no encontro organizado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros alemão com o director das relações internacionais do Partido Social-Democrata alemão, Hans Eberhard Dingels, este revelou imediatamente estar a par da situação portuguesa, referindo acreditar na honestidade de processos e no desejo de evoluir manifestado pelo presidente Marcello Caetano. Ainda segundo Homem Mello, Dingels aconselhara Mário Soares a moderar os ímpetos, afirmando-se partidário e admirador convicto da experiência política portuguesa em curso que, se viesse a falhar, só poderia ter como consequência a tragédia fascista ou a ditadura comunista.
Tudo indica que Caetano seria convencido pelos seus conselheiros de que os argumentos usados por Salazar em 1945 surtiriam efeito vinte e cinco anos depois entre os sociais-democratas do centro e norte da Europa, conhecidos como eram pelas suas fortes tradições anti-comunistas. Mas, acontece que apesar de ter encontrado alguma receptividade, como revela Homem Mello, a oposição à política colonial desenvolvida por fortíssimos lobbies norte-americanos e a posição dos governos sociais-democratas da Escandinávia, a juntar aos já mais do que evidentes avanços militares e diplomáticos dos movimentos de libertação em Moçambique e na Guiné, contribuiriam para impedir que a história se repetisse.
Nesse ano, após reunião realizada em Paris, no mês de Maio, para eleger a sua comissão directiva (seriam eleitos para a CD da ASP, Tito Morais, organização, Mário Soares, relações internacionais, Ramos Costa, tesouraria, Gil Martins, imprensa e Fernando Loureiro e Rui Mateus, juventude), a ASP decidiria fazer uma consulta aos seus parcos militantes sobre a clarificação exigida pela IS. Manuel Tito Morais, então o principal responsável pela organização, admite mesmo existir um problema com a Internacional Socialista. Existiam então relações com a IS de pura camaradagem [sem] nenhum compromisso nem nenhuma ligação orgânica. Mas, somos solicitados para esclarecer a nossa posição [não obstante as] muitas incógnitas no campo ideológico. Para Manuel Tito Morais a nossa adesão [implicaria] transformar a ASP em Partido, apesar de ele ter, então, as maiores dúvidas de que sejamos capazes de o fazer, considerando um partido a sério, que não seja uma mistificação. O então responsável pelas relações internacionais tinha uma posição semelhante, se bem que muito menos sincera, que a de Manuel Tito Morais. Era claramente influenciada pelos mitos anti-social-democratas do PCP e da esquerda francesa de então, camuflando as caraterísticas do burguês respeitável e do enfant gaté que era, não lhe satisfazendo nenhum dos modelos socialistas [então] em aplicação no mundo, uma vez que acusava as experiências para-socialistas dos sociais-democratas que, sozinhos ou através de coligações, conquistaram o poder em vários países da Europa Ocidental…, de falta de consequência e de vigor doutrinário que os conduziu quase sempre à situação de leais gestores do capitalismo». In Rui Mateus, Contos Proibidos, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1996, ISBN 972-20-1316-5.

Cortesia de Dom Quixote/JDACT