sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Isabel d’Aragão e Rainha Santa. Anonymous. «Logo que a sua chegada é conhecida no acampamento de Afonso IV, imediatamente se suspendem as hostilidades…»

Cortesia de wikipedia

De acordo com o original.

Actos de Caridade
«(…) Se durante a vida de El-rei D. Dinís a acção da Rainha Santa foi um constante manancial de actos virtuosos, a partir do momento da sua viuvês, a sua acção tornou-se verdadeiramente exemplar. O numero de factos que desde então assinalam tão gloriosa existencia na terra, mais e mais fazem arreigar na alma do povo a convicção dos designios de Deus por Ela tão santamente interpretados. Sem todavia esquecer os deveres de Rainha, que lhe absorviam uma grande parte dos seus cuidados, e não poucas vezes foram motivo de profundos desgostos, D. Isabel de Aragão cinge livremente o hábito de freira Clarista e volvendo os olhos piedosos para um mais largo horisonte, consagra-se completamente a obras de caridade, fundando e auxiliando hospicios e asilos, nos quais se albergam, sob a sua protecção, muitas infelizes que se regeneraram pelos seus conselhos e alcançaram na terra a felicidade que só sabem gosar as almas puras e simples. Querendo encaminhar-se pela estrada luminosa que da terra se eleva até Deus, um dos seus primeiros cuidados, ao ver-se cingida pela roupagem da viuvês, foi trocar os faustos das glorias terrenas pela humildade da clausura a que, como já dissemos, livremente se sujeitou.
Junto dos seus Paços riais corriam vagarosamente as obras para a fundação do Convento de Santa Clara, obras que prometiam eternizar-se por demandas entre os frades Cruzios e D. Maior Dias, fundadora daquele convento, e que certamente ficariam incompletas se não fosse o auxilio e protecção que a Rainha Santa dispensou para a sua rápida conclusão. Uma vez concluido, cuidou logo a Rainha Santa em fundar junto deste convento um asilo para órfãos e para a pobresa envergonhada, chamando para junto de si algumas amas de leite com o encargo de alimentarem as crianças desvalidas! A maior parte do seu tempo tinha-o a Rainha Santa distribuido por forma a satisfazer os seus deveres de Rainha e cristã; o restante empregava-o no ministerio da caridade visitando os asilados, a quem não só consolava com a sua palavra, mas muitas vezes servia de carinhosa enfermeira curando as chagas que lhes corroiam o corpo.
Nesta e em muitas outras obras de verdadeira abnegação dispendia a Rainha Santa quasi toda a sua fortuna. Com o auxilio de Deus, a quem firmemente procurava engrandecer com os merecimentos das suas preciosas virtudes, nunca a Rainha Santa lutou com dificuldades para se desempenhar da sua nobre missão. Os proventos de que dispunha parece que tinham o condão de se multiplicar e, se algumas vezes houve em que o seu socorro tinha de fazer face a maiores calamidades, então eram as Rosas que, adquirindo a forma de oiro reluzente, premiavam os seus actos de caridade e satisfaziam os encargos adquiridos para garantir o pão aos famintos! Da sua vida, tão brilhantemente documentada na preciosa obra de S. Ex.ª o sr. Dr. Antonio Garcia Ribeiro Vasconcelos, erudito professor da Universidade de Coimbra, constam muitos e importantes factos da vida gloriosa da Rainha Santa, traduzidos todos eles nos mais altos beneficios em favor dos desprotegidos.

Morte da Rainha Santa
Em Junho de 1336 teve a Rainha Santa conhecimento de que seu filho D. Afonso IV e seu neto D. Afonso XI, rei de Castela, se haviam indisposto por motivo de graves acontecimentos, tendo-se declarado a guerra entre aqueles dois poderosos monarcas. Quando a Rainha Santa soube de tal resolução imediatamente se resolveu a partir para Estremoz, lugar onde a esse tempo estava seu filho acompanhado de toda a Côrte. Êste propósito foi prudentemente combatido pelos medicos da Rainha Santa, os quais, temendo mais o excesso do calor e a fadiga dessa longa viagem do que a idade da virtuosa Senhora, se apressaram a demovê-la dessa resolução. Inuteis rogos e infrutiferas tentativas! A Rainha Santa, despresando esses bons conselhos e animada sómente em restabelecer a paz entre os reis desavindos, filho e neto, parte apressadamente de Coimbra, caminhando sob um sol abrasador, e chega finalmente junto das fortalezas de Estremoz, abatida e fatigada, mas cheia de animo para cumprir a sua carinhosa missão. Logo que a sua chegada é conhecida no acampamento de D. Afonso IV, imediatamente se suspendem as hostilidades e todos se abeiram do leito da Rainha Santa para lhe prodigalizarem os cuidados que a sua melindrosa saude exigia.
Baldados esforços porque o mal agravava-se de momento para momento. Uma pústula que rapidamente lhe apareceu num braço tornou mais melindroso o seu estado e, no dia 4 de Julho, manhã cedo, a Rainha Santa declarou que queria receber os últimos Sacramentos. Na tarde desse mesmo dia as forças principiaram a faltar-lhe, a Rainha Santa vê que é chegada a sua ultima hora, e erguendo o pensamento até ao Ceu, encarrega a Mãe de Deus de lhe receber a alma, pronunciando com toda a suavidade estes versos do hino eclesiastico:

Mãe de graças e Misericordia
Maria piedosa e forte:
Livra a minha alma, recebe-a
Na hora da minha morte».
In Anonymous, Isabel d’Aragão e Rainha Santa, 2011, ISO 8859-1, Project Gutenberg Ebook, produzido por Pedro Saborano, Coimbra, Gráfica Conimbricense, Lda, 1921.

Cortesia de PGutenberg/Gráfica Conimbricense/JDACT