quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Sá de Miranda: O escritor do século XVI mais lido depois de Camões. A sua verticalidade e a sua coerência impuseram-se. Trouxe para Portugal uma nova estética, introduzindo o soneto, a canção, a sextina

(1481-1558)
Coimbra
Cortesia de wikipédia

Francisco de Sá de Miranda foi um poeta português. Nasceu em Coimbra na data, 28 de Agosto, em que D. João II subiu ao trono.
Nada se sabe da vida de Sá de Miranda nos seus primeiros anos. Meras hipóteses, mais ou menos aceitáveis, indicam o caminho que seguira desde Coimbra até à Universidade em Lisboa.
Foi nas Escolas Gerais que Sá de Miranda conheceu Bernardim Ribeiro, com quem criou estreitas relações de amizade, lealmente mantidas e fortalecidas na cultura literária, nos serões poéticos do paço real da Ribeira, na intimidade, em confidências e na comunhão de alegrias e dissabores.

Bernardim Ribeiro
Cortesia de ftpinfoeuropaeurocid
Estudou Gramática, Retórica e Humanidades na Escola de Santa Cruz. Frequentou depois a Universidade, ao tempo estabelecida em Lisboa, onde fez o curso de Leis alcançando o grau de doutor em Direito, passando de aluno aplicado a professor considerado e frequentando a Corte até 1521, datando-se de então a sua amizade com Bernardim Ribeiro, para o Paço, compôs cantigas, vilancetes e esparsas, ao gosto dos poetas do século XV.

Se as ninfas do Mondego lhe embalaram docemente o berço e lhe deram as primeiras inspirações, o sangue dos Sá, tão rico de vida e de fulgor, e o seu parentesco com a fidalguia da corte, abriram-lhe as portas do paço da Ribeira, que era então o templo das Musas. Ali ouviu os velhos trovadores D. João de Menezes, o Pica-sino,  e D. João Manuel, camareiro-mor de el-rei.

Cortesia de clubevinhosportugueseswordpress
 
Tendo-lhe falecido o pai, em 1521 parte para Itália onde permanece até 1526. Convive com algumas personalidades do Renascimento italiano (Pietro Bembo, Sannazaro e Ariosto), apreciando muito a estética literária que todos os humanistas cultivavam com entusiasmo.

O sol é grande: caem coa calma as aves,
Do tempo em tal sazão, que sói ser fria.
Esta água que de alto cai acordar-me-ia,
Do sono não, mas de cuidados graves.

Ó cousas, todas vãs, todas mudaves,
Qual é tal coração que em vós confia?
Passam os tempos, vai dia trás dia,
Incertos muito mais que ao vento as naves.

Eu vira já aqui sombras, vira flores,
Vi tantas águas, vi tanta verdura,
As aves todas cantavam de amores.

Tudo é seco e mudo; e, de mistura,
Também mudando-me eu fiz doutras cores.
E tudo o mais renova: isto é sem cura!
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Aquela fé tão clara e verdadeira,
A vontade tão limpa e tão sem mágoa,
Tantas vezes provada em viva frágua
De fogo, i apurada, e sempre inteira;

Aquela confiança, de maneira
Que encheu de fogo o peito, os olhos de água,
Por que eu ledo passei por tanta mágoa,
Culpa primeira minha e derradeira,

De que me aproveitou? Não de al por certo
Que dum só nome tão leve e tão vão,
Custoso ao rosto, tão custoso à vida.

Dei de mim que falar ao longe e ao perto;
E já assi se consola a alma perdida,
Se não achar piedade, ache perdão.


Cortesia de mlivro
Regressou a Portugal em 1526. Fruto dessa viagem, trouxe para Portugal uma nova estética, introduzindo o soneto, a canção, a sextina, as composições em tercetos e em oitavas e os versos de dez sílabas.
Além de composições poéticas várias, escreveu:
  • a tragédia Cleópatra;
  • as comédias Estrangeiros e Vilhalpandos;
  • algumas Cartas em verso, sendo uma delas dirigida ao rei D. João III, de quem era amigo.
Para Sá de Miranda, a poesia não é uma ocupação para ócios de intelectual ou de salões, mas uma missão sagrada. O poeta é como um profeta, deve denunciar os vícios da sociedade, sobretudo da Corte, o abandono dos campos e a preocupação exagerada do luxo, que tudo corrompe, deve propor a vida sadia em contacto com a «madre» natureza, a simplicidade e a felicidade dos lavradores. A ele se aplicam perfeitamente os seus versos da Carta a D. João III:
  • «Homem de um só parecer, / dum só rosto e d'ua fé, / d'antes quebrar que volver / outra cousa pode ser, mas da corte homem não é»
A sua linguagem é elíptica, sóbria, densa, forte, trabalhada, hermética, difícil de entender e às vezes demasiado dura. Mesmo assim, Sá de Miranda é o escritor do século XVI mais lido depois de Camões. A sua verticalidade e a sua coerência impuseram-se.

Ó meus castelos de vento
que em tal cuita me pusestes,
como me vos desfizestes!

Armei castelos erguidos,
esteve a fortuna queda,
e disse:– Gostos perdidos,
como is a dar tão grã queda!
Mas, oh! fraco entendimento!
em que parte vos pusestes
que então me não socorrestes?

Caístes-me tão asinha
caíram as esperanças;
isto não foram mudanças,
mas foram a morte minha.
Castelos sem fundamento,
quanto que me prometestes.
quanto que me falecestes!

Cortesia de minhonoticiascomfypage
 
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