quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

A Dama Solitária. Harold Robbins. «Quando poderei sair daqui? Esta tarde, assim que eu tiver os resultados dos exames. Que exames? Exames de rotina»

Cortesia de wikipedia e jdact

«Ela estava sentada no alto da escada e chorava. Ao despertar da anestesia, JeriLee viu a garotinha chorando, o rosto coberto com as mãos, os cabelos dourados compridos. Ela já vira aquela imagem de si mesma milhares de vezes, no instante entre o despertar e o sono. E isso acontecia desde a morte do pai. Sua visão se clareou e ela reconheceu o rosto do médico fitando-a, sorridente. Está tudo bem, JeriLee. Ela correu os olhos pelo quarto. Havia diversas outras mulheres em camas de rodinhas. O que era, doutor? Menino ou menina? Isso tem alguma importância agora? Para mim, tem. Ainda é muito cedo para dizer-lhe. Uma sugestão de lágrimas surgiu nos cantos dos olhos de JeriLee. É terrível passar por tudo isso e depois não saber o que poderia ter sido. É melhor assim, JeriLee. Agora, procure descansar um pouco. Quando poderei sair daqui? Esta tarde, assim que eu tiver os resultados dos exames. Que exames? Exames de rotina. Achamos que talvez tenha um problema de Rh. Se tiver mesmo, poderemos dar-lhe uma injecção, para que não tenha qualquer complicação na próxima gravidez. JeriLee fitou-o em silêncio por um momento, antes de perguntar:  poderia ter havido complicações com esta gravidez? Havia uma possibilidade. Então deve ter sido melhor que eu tenha abortado. Provavelmente. Mas procure ser mais cuidadosa daqui por diante. Não haverá outro aborto, disse JeriLee, firmemente. Da próxima vez, terei meu filho. E não me importa o que possam dizer. Se o pai não gostar, ele que vá para o inferno! Já fez seus planos, JeriLee? Não. Mas não me deixa tomar pílula por causa do factor de coagulação, e continuo a rejeitar o DIU. Confesso que me sinto estúpida carregando um diafragma e um tubo de geleia na bolsa, o tempo inteiro. Não precisa ir para a cama com todos os homens que conhece, JeriLee. Isso não prova coisa alguma. Não vou para a cama com todos os homens que conheço, doutor. Vou apenas com aqueles com quem eu quero. O médico sacudiu a cabeça.

Não consigo entendê-la, JeriLee. Você é inteligente demais para se meter nessas complicações. Ela sorriu subitamente. É um dos riscos de ser mulher. Um homem pode trepar o quanto quiser e nada lhe acontece. Mas a mulher pode ficar grávida. Por isso, ela é que tem de tomar cuidado. Pensei que a pílula fosse igualar a situação; Mas, por azar meu, não posso tomá-la. O médico fez um gesto para uma enfermeira. Mas tenho uma pílula que você pode tomar, disse ele, rabiscando rapidamente num bloco de receitas. Isso a ajudará a dormir um pouco. Poderei ir trabalhar amanhã? Preferiria que ficasse de repouso por alguns dias. Não fará mal algum, se ficar de cama mais um pouco. Ainda corre o risco de ter uma grande hemorragia. A enfermeira irá levá-la agora para o seu quarto. Eu a verei mais tarde, quando lhe der alta. A enfermeira pegou a receita e começou a empurrar a cama de JeriLee para fora. Espere um instante, pediu JeriLee. A enfermeira parou. Sam… O que é?, perguntou o médico, virando-se para ela. Obrigada.

Ele se limitou a assentir. A enfermeira recomeçou a empurrar a cama, passou pela porta de vaivém e atravessou um longo corredor até ao elevador. Ali, apertou o botão de chamada e olhou para JeriLee, com um sorriso profissional. Não foi tão ruim assim, não é, meu bem? JeriLee fitou-a com uma expressão furiosa. Com os olhos marejados de lágrimas, disse: foi uma porcaria! Acabei de matar meu bebê! Por que está chorando, JeriLee?, perguntou-lhe a tia, ao sair do quarto da mãe e encontrá-la sentada no alto da escada. A menina levantou o rosto molhado de lágrimas. O pai não está morto? A tia não respondeu. Ele não vai mais voltar, como a mãe tinha dito? A mulher abaixou-se e abraçou-a, dizendo suavemente: não, JeriLee, ele não vai mais voltar. Mãe mentiu para mim, disse JeriLee, em tom acusador. As lágrimas cessaram. Sua mãe quis apenas poupá-la de sofrimentos, menina, disse a tia, com voz ainda mais suave. Não queria que nada a magoasse. Mas não foi isso que ela me disse que eu devia fazer! Falou que eu devia sempre dizer a verdade, não importando o que pudesse acontecer». In Harold Robbins, A Dama Solitária, 1976, Publicações Europa-América, 1985, ISBN 978-972-102-681-0.

Cortesia de PEAmérica/JDACT

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