domingo, 8 de maio de 2022

O Último Segredo. Lynn Sholes e Joe Moore. «Apenas uma semana depois do que deveria ter sido o melhor momento da sua vida, Cotten Stone estava outra vez diante das câmeras. Mas não havia o brilho de excitação no seu rosto, nem qualquer animação na sua voz»

Cortesia de wikipedia e jdact

Os Fósseis de Gilley

«(…) Quer dizer então que vai gravar ao vivo para o noticiário nocturno? Cotten sentiu os músculos se contraírem por causa da excitação. Estaria de volta ao topo. Naquela noite, o rosto dela marcaria presença nas salas de estar de todo o país. Deus, como ela adorava isso! É isso aí, confirmou ela. Hoje é o grande dia. Acho melhor começar a colocar o meu pessoal em campo. Cotten percebeu uma dose de ansiedade na voz do ex-chefe. O que está querendo dizer com isso, Ted? Pense nas matérias de continuidade. Qual será a reacção da comunidade científica e dos fundamentalistas ao ver a prova de que a Bíblia estava literalmente certa? Alguém vai engolir o maior sapo..., ou talvez seja um bife de brontossauro. Adoro um bom churrasco, disse Cotten. Houve pelo menos três segundos de silêncio antes de Ted responder. Cuide-se, menina. Nós falamos, disse ela e desligou o telefone móvel. Cotten observou as espessas nuvens cinzentas que se acumulavam no céu baixo. Quem sabe ela iria testemunhar a transformação do rio Paluxy? Logo à frente, ela avistou a placa desgastada: Fósseis e Mercadinho do Gilley. Um quilómetro. Aí estava. O momento pelo qual tanto esperara. A reportagem que a levaria de volta ao topo. A conspiração do Graal fora uma coisa. Mas esta agora..., iria provar de maneira inquestionável que o homem tinha vivido durante a época dos dinossauros. Os quinze minutos dela estavam simplesmente sendo esticados.

Durante a última viagem que fez a Glen Rose, Gilley a tinha levado por cerca de três quilómetros adiante pela estrada, para visitar o Museu das Provas da Criação. Ela achou aquilo fascinante, especialmente a colecção de dinossauros e pegadas humanas. Conversou com diversas pessoas ali, que eram fervorosas a respeito de sua crença. Imagine só quando todos recebessem a torrente de informações que ela estava prestes a divulgar. Entrando no estacionamento cujo chão era coberto de pedregulhos da rústica atracção turística, Cotten Stone sentiu aquela antiga e conhecida pontada de excitação. Ela havia produzido manchetes importantes ao longo dos dois últimos anos: ao encontrar o Santo Graal, duas vezes; ao persuadir o Vaticano a abrir os seus cofres e permitir que os judeus recuperassem a menorá sagrada do Segundo Templo, levada para Roma por Tito em 70 d.C.; ao cobrir o impressionante achado dos rolos de pergaminhos mais antigos em cavernas próximas ao Mar Morto; e ao anunciar a descoberta das trinta peças de prata que Judas Iscariotes recebera em pagamento pela traição a Cristo. Mas esta agora seria a coroação das suas conquistas. Quando se tratava de sensacionalismo religioso, Cotten Stone ditava as regras. E agora ela tinha a oportunidade de desmascarar, sozinha, os fundamentos da teoria científica da evolução, ali mesmo naquela tarde quente, numa faixa poeirenta às margens de uma rodovia texana. Ela estava nas alturas, sentindo a adrenalina correr pelo rosto e pela garganta.

Cotten parou ao lado do veículo de geração e transmissão de vídeo à distância da NBC-5 de Dallas-Fort Worth, estacionada na frente do estabelecimento de Gilley. Já devia estar tudo pronto para a transmissão ao vivo via satélite da sua próxima reportagem revolucionária. Em instantes, ela revelaria ao mundo um osso de dinossauro com uma ponta de lança enterrada, a prova de que o homem tinha vivido na época dos dinossauros. Quando saiu do carro, Cotten voltou a observar o céu nublado do Texas. Controlem -se, ela pensou. Cotten Stone está prestes a abalar o noticiário nocturno outra vez.

Apenas uma semana depois do que deveria ter sido o melhor momento da sua vida, Cotten Stone estava outra vez diante das câmeras. Mas não havia o brilho de excitação no seu rosto, nem qualquer animação na sua voz. Em vez disso, seus olhos estavam pesadamente maquiados, numa tentativa de disfarçar as pálpebras inchadas. O corpo todo parecia encolhido, recurvado e, quando ela falou, a voz saiu acanhada. Gostaria de me desculpar com todos aqueles que se sentiram traídos ou ofendidos por mim declarou Cotten, evitando o contato visual com a câmera. Ela olhava para baixo, para os apontamentos que tinha preparado, sentindo os olhares de toda a equipa do estúdio sobre ela; o desprezo que eles sentiam era quase palpável. Não era a minha intenção mentir ou conspirar para enganar os espectadores da National Broadcasting Company ou as suas afiliadas. Nunca tive a intenção de decepcionar ninguém. Fui acusada de ignorar as evidências que indicavam aquilo que agora está sendo chamado de fóssil inventado, uma mentira premeditada. Nego terminantemente que tivesse algum conhecimento anterior de que se tratava de um artefacto falso e nunca pretendi iludir nem confundir ninguém. Se fui motivo de embaraço para algum grupo ou pessoa, sinto profundamente que isso tenha acontecido. Espero que todos possam perdoar-me. Cotten deixou as notas escorregarem dos dedos para o chão do estúdio. Afastou-se do foco das luzes e deixou o local das filmagens dos noticiários. Ninguém a acompanhou. Ninguém se despediu. Ela pensou que nunca chegaria às portas para fugir do horrível silêncio». In Lynn Sholes e Joe Moore, O Último Segredo, 1995, Editora Pensamento, 2015, ISBN 978-853-151-778-5.

Cortesia de EPensamento/JDACT

JDACT, Lynn Sholes, Joe Moore, Literatura, Mistério,