quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Guimarães. Paço dos Duques de Bragança: Parte III. «Nos princípios do século XVII, em 20 de Outubro de 1611, a Câmara de Guimarães informava acerca da petição das freiras de Santa Clara, que pediam a pedra dos muros, junto do Paço, para as obras do seu mosteiro, que a dita pedra era do Duque»

Fachada principal antes das obras
Cortesia de monumentos

Paço dos Duques de Bragança
Guimarães
«O 1º Duque de Bragança morreu em 1461 e a sua viúva continuou vivendo em Guimarães, até fim dos seus dias, em 26 de Janeiro de 1480. Não consta que a Duquesa ali fizesse quaisquer obras. Em 1462 lavraram-se nos Paços as escrituras do casamento de D. João, filho do Duque D. Fernando, com D. Isabel de Noronha, e em 1472 celebraram-se ali as cerimónias nupciais do Duque D. Fernando II, com a Duquesa D. Isabel, recebidos pelo Bispo de Viseu, D. João Gomes de Abreu.
Também naquele ano de 1462, o Duque D. Fernando confirmava à Duquesa viúva a posse dos reguengos e rendas da vila de Guimarães, que D. Afonso dera a sua segunda mulher.
A casa de Bragança viu confiscados os Seus bens com a subida ao cadafalso do Duque, em 1483, e a Coroa entrou na posse do Paço de Guimarães.

Como ficou dito, D. João II cuidou da sua conservação; e, restituída a Casa de Bragança à propriedade dos seus bens, apesar dos Duques não mais ali residirem, parece que se manteve de pé, pelo menos nas primeiras décadas do século XVI, ainda que sofrendo do abandono a que o votaram seus senhores.
Na verdade, em 17 de Fevereiro de 1531, o Procurador do Concelho, de Guimarães requeria ao Duque que as justiças inquirissem de certos danos que alguém causara na pedra da barbacã do Castelo. Começava assim o descalabro dos bens ducais em Guimarães, mas os paços parece que ainda então não haviam sofrido grande ruína, porque a ela se não refere, em 13 de Outubro desse mesmo ano, o escrivão Álvaro Vaz ao elaborar o “Cadastro” da vila, dizendo simplesmente:
  • «...e tem na cerqua velha do castello os paços do Duque...».

Após as obras
Cortesia de monumentos

E dizem que o Infante D. Duarte que, pelo seu casamento teve o ducado de Guimarães, entre os anos de 1537-1540, ali teria vivido um tempo, o que não aconteceria se os paços estivessem destruídos. O primeiro depoimento que atesta a ruína é o do cónego Gaspar Estaço que, nas suas “Várias Antiguidades de Portugal”, escreveu:
  • «D. Afonso, Conde de Ourém, genro de D. Nuno Álvares Pereira, fez aquele sumptuoso edifício que hoje está meio arruinado que chamam o Paço dos Duques».
Mas não é fácil determinar a exacta cronologia desta informação. Nos princípios do século XVII, em 20 de Outubro de 1611, a Câmara de Guimarães informava acerca da petição das freiras de Santa Clara, que pediam a pedra dos muros, junto do Paço, para as obras do seu mosteiro, que a dita pedra era do Duque. É provável que nesse tempo a ruína, já começada, não fosse ainda grande. O maior descalabro parece ter-se dado à roda de 1666. Os frades capuchos alcançaram do Rei uma provisão concedendo-lhes, para as obras do seu convento, a pedra do Paço de modo que só ficassem deste as paredes exteriores e se tapassem as portas a pedra e cal. Contra esta decisão da Coroa, levantaram-se a Câmara, Nobreza e Povo de Guimarães, e em Vereação de 3l de ]aneiro desse ano de 1666, disseram e assentaram:
  • «…que a sua notícía viera que os reverendos frades da Piedade, que nesta vila estão edificando um mosteiro, alcançaram uma provisão de S. M. para se aproveitarem da pedra que está nos paços da vila, e desfazerem todas as obras que teem dentro em si, para com ela correr a obra do dito mosteiro e que deixando as paredes de fora somente e tapando as portas de pedra e cal, ficasse só uma que os ditas religiosos teriam fechada com chave que teriam em seu poder: e porque disto se conseguia grandissimo dano ao credito e honra desta vila, por ser ela adonde nascera o senhor Rei D. Afonso Henriques, primeiro rei deste reino, e era esta vila a primeira corte dele, e os ditos paços a obra mais notável que nesta vila visita toda a gente grande que vem a ela e faltando ficava esta vila sem esta maior honra com que se acredita, e é de crer que se S. M. fora legitimamente informado não permitira que a dita obra se danificasse, antes a havia de mandar pela grandeza dela, e por não desconsolar aos moradores deste povo, que só da mesma obra se honram, e que da dita provisão requeriam a eles Doutor Corregedor e oficiais da Câmara lhe mandassem dar vista para a impugnar e que entretanto se não fizesse obras pela dita provisão, e que não querendo os ditos religiosos exibir a dita provisão em juízo, para dela se lhes dar vista, e querendo continuar em desfazer as ditas paredes, requeriam a eles Corregedor e oficiais da Câmara mandassem proceder à prisão com qualquer pessoa da jurisdição real que fosse achada a desfazê-las, enquanto S. M. não resolver o que mais convém a seu real serviço...

Antes das obras (fachada principal)
Cortesia de monumentos

E pouco depois, em Vereação de 4 de Fevereiro, mandaram proceder à vistoria dos Paços e avalia das obras de que necessitavam, para delas informar o monarca. Fizeram essa vistoria os mestres de pedraria Gonçalo Vaz e Pero Lopes, com o arquitecto António de Andrade, e estes debaixo de juramento, declararam:
  • «…que as obras interiores, no estado em que estão por serem de pedra e cal, e terem mais de quinhentos portais, entre grandes e pequenos, e mais de setenta chaminés pelos meios das paredes, muitas com trompas de grande altura, e escadas por dentro das paredes, por onde hoje se sobe a passear em vistosas varandas, vale mais de cem mil cruzados. E que tirando-lhe as ditas obras a pedra que delas pode ir, havendo-se respeito à muita que ha-de quebrar ao desfazer, por ser pedra e cal, e por cair de muita altura, poderá valer seiscentos mil reis, e a obra toda no estado presente, por não carecer mais que de madeiras e telha para se reedificar, pode valer mais de duzentos mil cruzados, e que tantos fica S. M. perdendo, bolindo nas obras interiores, porquanto as mestras estão enleadas com elas e pendem uma das outras…».
Este documento tem grande interesse para a história dos Paços, não só pelas informações que ,presta quanto ao edifício em si, mas também quanto ao seu estado de conservação. A ruína era só nos telhados e madeiramentos, a grande massa de pedraria estaria por então intacta.
Para salvar os Paços, ainda, pouco depois, acordavam em dar aos religiosos para o mosteiro a pedra da barbacã do muro de Santa Bárbara, «que está pela banda de fora do Castelo, pela parte norte», e mais 4.000 reis em dinheiro das calçadas. Tudo em vão, consumou-se o vandalismo. Muitos outros seguiram o exemplo dos capuchos, a ponto que em 30 de Julho de 1667 o juiz de fora de Guimarães mandava abrir devassa, a fim de se averiguar «quem furtava a pedra junto à porta de Santa Cruz, que se vai arruinando, e dos Paços, pelo prejuízo que se segue à fortificação dos muros e obra real dos mesmos Paços dos Duques».

E, em 26 de Novembro de 1672, a Câmara mandava notificar o mestre de pedraria Gonçalo Vaz de Sampaio que «sob pena de 2.000 réis de multa, torne dentro de 8 dias a consertar a porta dos Paços repondo a parede forte com juntadoiros, visto que há menos de 4 meses a tapou e já está caindo, tendo-se-lhe já pago».
In Boletim 102, Dezembro de 1960, DGIMN, Paço dos Duques de Bragança, Guimarães.

Cortesia do IGESPAR/JDACT