quarta-feira, 4 de julho de 2012

Maria Cristina A. Cunha. Estudos sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV. «... nada se sabe sobre a presença dos templários em território nacional. Pouco depois (1145) a Ordem do Templo recebe alguns castelos na região transmontana (Longroiva, Penas Roias e Mogadouro), que viria a entregar à coroa no final do século XII, em troca de Idanha-a-Velha e da herdade da Açafa»


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«Tendo em conta o ambiente geral da igreja ocidental, não admira que estes milites Christi tenham recebido desde logo o apoio das principais dignidades eclesiásticas peninsulares, nomeadamente dos arcebispos de Braga, Toledo e Santiago. Também o cardeal Jacinto, legado da Santa Sé na Península Ibérica, não tardou a aprovar a nova instituição religioso-militar, o mesmo acontecendo com o papa Alexandre II que, em 1175, a confirmou e aprovou a sua regra, elaborada pelo cardeal Alberto de Mora. Nesta altura a Ordem contaria já entre os membros não só cavaleiros, mas também clérigos. A entrada destes na milícia ter-se-á dado quando os primeiros, devido a necessidades de ordem espiritual, se uniram aos cónegos regrantes de Santo Agostinho, sediados no mosteiro de Loio, tendo adaptado a Regra destes ao seu modo de vida, ao mesmo tempo que usufruíam do mesmo estatuto que os religiosos no seio da sua ordem.
Os santiaguistas depressa marcaram presença nos outros reinos peninsulares: logo em Setembro de 1171 recebem do rei de Castela a sua primeira doação (o castelo de Aurelia) e em 1172 entram no território português. Quando, em 1174, os muçulmanos retomaram Cáceres, os cavaleiros refugiaram-se em Uclés, que lhes fora doada por Afonso VIII de Castela. É aí que se vai estabelecer o seu priorado, a partir do qual coordenaram a sua participação na Reconquista. Simultaneamente, centralizaram no convento que aí estabeleceram uma política senhorial que se revestiu de enorme êxito, materializada nos séculos XII e XIII na formação de um extenso património territorial de tipo senhorial.
Em 1180 o prestígio alcançado pela Ordem de Santiago era já de tal forma notório que o soberano de um dos estados cruzados do Médio Oriente, o de Antioquia, convidou o mestre espatário para estabelecer um convento nesse território, prometendo-lhe para o efeito várias vilas e castelos. Tal estabelecimento, que visava colmatar a saída dos hospitalários da região, provavelmente nunca se concretizou.

Implantação das Ordens em território português
Está documentada a presença da Ordem do Templo em Portugal desde 1128, ou seja, menos de uma década após a sua fundação em Jerusalém. Nessa data, D. Teresa doa aos templários o castelo de Soure, doação que, por um lado, se deve entender no contexto da vinda de Hugo de Payens à Europa, a fim de obter no continente os apoios necessários à continuação da sua tarefa na Palestina, e da sua participação no Concílio de Troyes, e, por outro, se enquadra na difícil situação militar em que se encontravam as hostes cristãs situadas no vale do Mondego, a braços com um novo avanço muçulmano.
Conforme já foi devidamente assinalado, esta doação é tanto mais importante quanto o seu objecto era um território parcialmente destruído e despovoado, com poucas estruturas defensivas.
Até 1143-1144, altura em que defendem Soure de mais uma incursão muçulmana, nada se sabe sobre a presença dos templários em território nacional. Pouco depois (1145) a Ordem do Templo recebe alguns castelos na região transmontana (Longroiva, Penas Roias e Mogadouro), que viria a entregar à coroa no final do século XII, em troca de Idanha-a-Velha e da herdade da Açafa. Em 1147 os templários participam, ao lado de Afonso Henriques, na conquista de Lisboa, tendo o monarca, como recompensa, doado aos cavaleiros os direitos eclesiásticos de Santarém (o que, aliás, originou uma longa e acesa disputa com o bispo de Lisboa, Gilberto de Hastings). Em 1169 Afonso Henriques faz uma doação da maior importância à Ordem do Templo, tanto para a monarquia como para os cavaleiros: entrega-lhes a terça parte de todo o território que viesse a conquistar, desde que as rendas que os templários nele obtivessem revertessem a favor da luta contra os muçulmanos, ao serviço da própria monarquia.


Tendo em atenção os documentos que acabámos de enunciar, caberá então perguntar qual terá sido o papel da Ordem do Templo no processo que levou Afonso Henriques ao trono, ou melhor, no processo de formação de um reino independente. À partida somos levada a pensar que até meados do século XII a participação dos templários, enquanto instituição, na construção política das monarquias ocidentais (e concretamente na Península Ibérica) foi bastante reduzida, até porque a sua actuação se concentrava nos estados fora do Território. Mas além do diploma de 1169, e que contém de uma forma explícita o serviço ao rei a que os templários se obrigavam, outros há que atestam uma relação próxima entre a jovem monarquia e a Ordem. Não terá sido por acaso que em 1148 numa das suas viagens a Roma, em missão diplomática ao serviço de Afonso Henriques, João Peculiar, arcebispo de Braga, se fez acompanhar de um cavaleiro templário e de um monge de Santa Cruz. Seria interessante saber até que ponto o prestígio dos Cavaleiros do Templo junto da Santa Sé foi importante para o reconhecimento, pelo Papa, do reino português». In Maria Cristina A. Cunha, Estudos sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital, Porto, 2009.

continua
Cortesia da Faculdade de Letras do Porto/JDACT