quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Tratado dos Feitos de Vasco da Gama e de seus filhos na Índia. Diogo do Couto. «… a finalidade do Tratado com o objecto do mesmo, pensamos poder afirmar que o registo dos feitos dos filhos de Vasco da Gama na Índia apenas amplia ou robustece as maravilhosas couzas…»

jdact

Introdução
«(…) O manuscrito que agora se publica coloca, pelo seu mau estado, sérias dificuldades e manifestas impossibilidades de leitura, particularmente quanto aos primeiros 14 capítulos da Segunda Parte. Na transcrição, aproximámo-nos dos critérios apontados por Vitorino Magalhães Godinho para as edições diplomático-críticas (Revista de História Económica e Social). Esclareça-se, contudo, que, na medida do possível, procurámos colmatar essas lacunas com o texto dos capítulos das Décadas. Trabalhámos sobre cópia obtida a partir do microfilme, mas cotejámos as dúvidas que nos surgiram com o próprio microfilme. Procurando favorecer a leitura, sem retirar ao texto o seu sentido cultural e o seu sabor arcaico, adoptaram-se as seguintes opções: desdobraram-se as abreviaturas; suprimiram-se as iniciais maiúsculas nos nomes comuns e em simples elementos, de ligação gramatical, mas mantiveram-se, ou tomaram-se em todos os nomes próprios.
Quanto ao conteúdo, o autor define concretamente no longo título, o objectivo que a si mesmo se propôs tratar os feitos de Vasco da Gama e de seus filhos no Oriente. A primeira parre da obra constitui uma crónica dos sucessos obtidos por Vasco da Gama nas três vezes que passou à Índia e em especial durante a primeira. É que, segundo Couto, talvez pela grandeza e temeridade da viagem do descobrimento, tal feito passou a figurar mais como couza que passou la na outra vida e não tanto como empreendimento realizado há relativamente pouco tempo sob o comando de um mortal, precisamente o bisavô de Francisco Gama. Logo, se louva a diligência deste, não deixa de, frontalmente, como era faceta característica da sua personalidade (leia-se, também, o relato biográfico de couto, da autoria de Manuel Severim Faria) criticar a incúria dos outros descendentes do primeiro conde da Vidigueira e almirante do Mar Indico, por não perpetuarem convenientemente a sua memória. Enfim, sem confundirmos a finalidade do Tratado com o objecto do mesmo, pensamos poder afirmar que o registo dos feitos dos filhos de Vasco da Gama na Índia apenas amplia ou robustece as maravilhosas couzas, e os raros e espantosos socessos que o valeroso capitão realizou.
Repare-se, com efeito, como o espaço da actuação do herói (por ser para os ocidentais, designadamente para os portugueses, um espaço incógnito e tão distante, a última das terras) é elemento decisivo na avaliação dos feitos que realiza no âmbito das descobertas e das conquistas, a ponto de, por sugestão de João de Barros, Diogo do Couto insistir que ao nome de Vasco da Gama se deveria associar o epíteto de o Índico, à semelhança de Cornélio Cipião, o Africano, ou Jacob, o Ismaelita. Justificá-lo-ia a proeza de ter alcançado a incógnita e distante Índia, mas sobretudo o facto de ela não ter ficado isolada no pensamento real e imaginário dos ocidentais, nem o seu interesse por ela se ter circunscrito a uma mera fruição à escala local e regional. O que a indústria e o esforço dos homens (europeus) sobremaneira proporcionaram, através do feito extraordinário da descoberta do Gama, foi tornar comonicaveis o Gange com o Tejo, o Eufrates cõ o Minho, o Nilo cõ o Douro, o Tigre cõ o Gadiana, ajuntando o primeyro ponto do naçimto do sol, cõ o uhimo fin de seu ponte. Eis, pois, o Oriente ligado, por interesses vários e com carácter sistemático, ao Ocidente, precisamente através do pequeno Portugal, situado na parte mais ocidental e, por isso mesmo, no dizer de Camões, cabeça da Europa.
Que sabia esta Europa de matéria de cosmografia? Que (além do mais) a terra não era plana, mas esférica; que havia antípodas, apesar de parecer ser anti-natural; que estas e outras desmitificações se vinham processando graças ao esforço teórico e experimental dos europeus, mas também (e é esta a nota forte do discurso de Couto), porque no-las manifestou [e voltamos a citar a sua epístola a Francisco da Gama] aclarou e descobrio o nosso valerozo capirão dom Vasco da Gama». In Diogo do Couto, Tratado dos Feitos de Vasco da Gama e de seus filhos na Índia, organização de José Azevedo Silva e João Marinho Santos, Universidade de Coimbra, Faculdade de Letras, Edições Cosmos, Porto, 1998, ISBN 972-762-081-7.

Cortesia da FL da UCoimbra/JDACT