domingo, 7 de fevereiro de 2016

Isabel I. O Anoitecer de um Reinado. Margaret George. «O meu astrólogo John Dee acredita muito em sonhos e presságios. Neste caso, ele estava certo. Tinha acabado de me vestir quando fui informada de que o meu primeiro-ministro, tinha assuntos de extrema importância»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Essa função era uma esponja que havia absorvido os nossos recursos e estava conduzindo-nos lenta e inexoravelmente à falência. Ser soldado de Deus era uma despesa da qual eu poderia ter-me isentado. Soldado. Deus deve estar rindo por ter-me dado essa bandeira para carregar, pois todo o mundo sabia, ou achava que sabia, que uma mulher jamais poderia liderar tropas numa batalha. Mendoza... Aquele rosto ainda me perseguia, como se o sonho ainda estivesse preso dentro da minha cabeça. Os olhos negros e ligeiros, o rosto fino e a pele branca, e as entradas salientes, se não era um vilão, parecia-se com um. Ele havia conspirado e espionado aqui na Inglaterra, até que foi descoberto e expulso. A suas últimas palavras antes de embarcar foram: diga à sua soberana que Bernardino Mendoza nasceu não para desordenar reinos, mas sim para conquistá-los. Desde então, ele estabeleceu-se em Paris como embaixador do rei Filipe, criando uma rede de espionagem e intriga que se espalhou por toda a Europa. Entretanto, ele não era páreo para o nosso espião, Francis Walsingham. Se Mendoza tinha uma centena de informantes, Walsingham tinha pelo menos 500, mesmo na distante Constantinopla. Se ele era um católico devotado e até mesmo fanático, Walsingham era tão ou até mais apaixonado pelo protestantismo. Se ele não tinha escrúpulos, o lema de Walsingham era a informação nunca é cara demais, e pagaria qualquer coisa para obtê-la. Ambos sentiam que estavam travando uma batalha espiritual e não somente uma guerra política. E o grande embate, o Armagedom entre Inglaterra e Espanha há muito adiado, era iminente. Fiz tudo ao meu alcance para tentar desviá-lo. Nada fora suficiente: negociações de casamento, subterfúgios, humilhação, mentiras descaradas, como quando garanti a Filipe que eu era protestante apenas por necessidade política, mas não por convicção. Qualquer coisa para ganhar tempo, para nos fortalecermos o bastante para encarar a batalha quando finalmente estourasse. Porém, agora estava sem artifícios e Filipe estava sem paciência. Sim, até ele, o homem que disse: se a morte veio da Espanha, viveremos ainda muito tempo. Finalmente amanhecia, podia então levantar-me. O meu astrólogo John Dee acredita muito em sonhos e presságios. Neste caso, ele estava certo. Tinha acabado de me vestir quando fui informada de que William Cecil, lorde Burghley, meu primeiro-ministro, tinha assuntos de extrema importância para tratar comigo. Deve ser urgente. Ele sabia que eu não resolvia nada antes do meio-dia. Cumprimentei-o mesmo temendo as notícias. Ele era de minha confiança; se alguém tinha que me trazer más notícias, melhor que fosse Burghley. Perdoe-me, Majestade, ele disse, curvando-se em reverência até onde a espinha reumática permitia. Mas é muito importante que veja isto e entregou-me uma mensagem em papel enrolado. É de Filipe. Endereçada a mim? Quanta gentileza! Apertei o pergaminho em minha mão, sentindo a importância pelo peso. Provavelmente não, Majestade. Ele usou o melhor papel, comentei sarcasticamente. Burghley não sorriu. Tentei ser irónica, disse. Perdi o tom? Ele travou os lábios e disse: não, Majestade, fico impressionado que consiga encontrar um traço de humor até mesmo numa situação como essa, pegou o pergaminho das minhas mãos e continuou falando. Há centenas deles, estão todos em posse da Armada. Como sementes do diabo, devem ser distribuídos aqui na Inglaterra. Ao contrário do dente-de-leão, que flutua por si só no vento, esses pergaminhos não podem ser plantados, a menos que os espanhóis pisem nesta terra. E eles não pisarão. Os agentes do secretário Walsingham conseguiram roubar este pergaminho e também uma cópia da carta enviada por um dos conselheiros do rei Filipe. Parece que não há quase nada que ele não consiga procurar ou descobrir. Peguei a carta. Estava em espanhol, é claro, mas isso não era um problema para mim. Conforme lia, entretanto, quase desejava não conseguir entender. Era um memorando cuidadosamente pensado e uma recomendação dirigida ao rei espanhol sobre o que deveria ser feito assim que tivessem conquistado a Inglaterra. Eu deveria ser capturada viva e levada ao papa». In Margaret George, Isabel I, O Anoitecer de um Reinado, tradução de Lara Freitas, Geração Editorial, 2012, ISBN 978-858-130-076-4.

Cortesia de GeraçãoE/JDACT