sábado, 27 de fevereiro de 2016

Poesia Provençal. Textos. Graça Lopes. «Mas, elaboram ao mesmo tempo, como se disse, as regras de uma refinada arte de amar, na qual a mulher passa a desempenhar um papel central, já que a ela cabe a definição e condução do jogo erótico…»

Cortesia de wikipedia

Breve Nota Sobre A Poesia Provençal
«(…) Durante os dois séculos seguintes, o Sul de França, então politicamente autónomo do Norte, e onde a langue d’oc é dominante, vai conhecer uma brilhante civilização, que os seus numerosos e talentosos trovadores e jograis vão dar a conhecer a toda a Europa. Cantando o amor, a joi e a jovens (juventude), os trovadores provençais, sobretudo os da primeira fase, elaboram as regras básicas de uma arte de trobar que constituirá a matriz das posteriores escolas trovadorescas, nomeadamente da importante escola galego-portuguesa (de que uma das formas, a cantiga de amor, é absolutamente tributária). Mas, elaboram ao mesmo tempo, como se disse, as regras de uma refinada arte de amar, na qual a mulher passa a desempenhar um papel central, já que a ela cabe a definição e condução do jogo erótico, que o leal amador deve aceitar e a quem deve obedecer, como servidor (note-se que a poesia provençal conhece igualmente, e de forma também inovadora, brilhantes autoras femininas, as trobairitz, de que a mais célebre será a Contessa de Dia). O fin’amor opõe-se, assim, não só aos tradicionais contratos sociais que, em regra, presidem, na época, às relações entre os sexos, nomeadamente no tocante ao casamento, mas opõe-se igualmente ao entendimento dessas relações em termos de pura satisfação de instintos básicos (o comércio sexual, que faz da mulher um puro e descartável objecto de prazer).

Bernart Ventadorn (…1150-80…)
«Quando vejo a cotovia mover
de alegria as asas contra o raio
que se esquece e se deixa cair
com a doçura que no coração lhe vai
ai! Tão grande inveja me vem
daqueles que vejo andar contentes!
E maravilho-me eu como de repente
de desejo o meu coração não se funde.

Ai eu! Tanto cuidava saber
de amor e tão pouco sei!
Pois eu de amar não me posso conter
aquela cujo favor nunca terei;
tem o meu coração e tem-me todo a mim,
tem-se a si própria e ao mundo inteiro!
E quando me tomou nada mais me deixou
senão desejo e coração voraz.
Perdi já eu sobre mim o poder

e deixei de ser meu desde o instante
em que me deixou nos seus olhos ver,
num espelho que me agrada tanto.
Espelho, pois me mirei em ti,
mataram-me os suspiros mais profundos,
que assim me perdi, como se perdeu
o belo Narciso na fonte.

Das donas me desespero,
não mais nelas me fiarei!
Que assim como as usava defender
assim as desabonarei;
pois vejo que nenhuma me auxilia
junto daquela que me destrói sem razão,
de todas duvido, de todas desconfio,
pois sei bem que todas iguais são.

Nisso faz bem o papel de mulher
a minha dona, que condeno assaz:
pois não quer o que se deve querer
e o que lhe é vedado faz.
Caído sou em sua impiedade
e agi pois como o louco na ponte!
E não sei porque me vou curvado
se não por querer subir alto monte.

Piedade está perdida a valer,
e eu não o soube jamais,
pois aquela que mais a deveria ter
não a tem; e onde a irei buscar?
Ah! Como pouco parece, a quem a vê,
que este cativo amador,
que já sem ela não encontrará bem,
deixe morrer, sem socorro lhe dar!
[…]

In Graça Videira Leal, Poesia Provençal, alguns textos, Revista Medievalista, director Vasconcelos Sousa, Ano 2, Nº 2, Instituto de Estudos Medievais, FCSH-UNL, FCT, 2006, ISSN 1646-740X.


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