segunda-feira, 26 de junho de 2017

A Perseguição aos Judeus e Muçulmanos de Portugal. François Soyer. «Durante a conquista do Alentejo e Algarve, é igualmente evidente que muitas praças-fortes muçulmanas foram entregues aos cristãos»

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Manuel I e o fim da tolerância religiosa (1496 - 1497)
«(…) Pouco mais se sabe da comunidade muçulmana de Lisboa durante o século XII. O cronista inglês Roger de Hoveden conta que cruzados ingleses, de passagem por Lisboa a caminho da Terra Santa em 1190, atacaram os pagãos e judeus, servos do rei, que residiam na cidade. Uns anos mais tarde, em Maio de 1198, urna carta enviada pelo Papa Inocêncio III ao prior e cónegos do mosteiro de Santa Cruz em Coimbra indicava que estes últimos tinham ao seu serviço funcionários muçulmanos. A conquista do Algarve, na primeira metade do século XIII, trouxe aos reis de Portugal mais territórios e súbditos muçulmanos. Afonso III e o seu filho Dinis I (1279-1325) concederam forais especiais às comunidades muçulmanas de Silves, Loulé, Tavira e Faro em 1269, Évora em 1273, e Moura em 1296. Estes forais eram quase idênticos ao concedido por Afonso Henriques um século antes.
Existem poucos dados sobre as condições efectivas sob as quais muitas cidades ou zonas rurais e seus habitantes muçulmanos passaram para o domínio português. As raras crónicas que descrevem as conquistas portuguesas registam apenas a tornada violenta de cidades e descrevem o repovoamento, por colonos cristãos, de cidades arruinadas e terras abandonadas. O relato da violência da reconquista portuguesa, contudo, não deve ser exagerado. Os actos deliberados de violência e as chacinas foram, aparentemente, a excepção e não a regra. A presença de cruzados do Norte da Europa, imbuídos do espírito das cruzadas, pode certamente explicar a violência demonstrada em Lisboa (1147) e Silves (1189). Em Lisboa, Afonso Henriques estava, na verdade, a negociar a rendição pacífica da cidade com os seus representantes quando os cruzados, desconfiando das intenções portuguesas e ansiosos pelo saque, assaltaram e pilharam a cidade. Tanto quanto se sabe, as forças portuguesas foram responsáveis por apenas dois massacres: Santarém em 1147 e Aljezur em 1248. O facto de o autor anónimo quatrocentista da crónica dos cinco reis de Portugal ter considerado importante mencionar a chacina dos habitantes muçulmanos (na sua maioria desarmados) de Aljezur pelos cavaleiros de Santiago apenas vem salientar que tais atrocidades não eram ocorrências habituais.
A conquista portuguesa do Gharb al-Andalus não foi uma guerra de extermínio. É certo que a linguagem usada por cronistas portugueses para se referirem ao conflito sugere que este era entendido pelos contemporâneos como sendo de natureza política e não religiosa. Na verdade, os conquistadores tinham perfeita consciência das dificuldades de levar colonos cristãos para os territórios conquistados e de que precisavam de efectivos muçulmanos para preservar as suas conquistas. Algumas zonas muçulmanas passaram para o domínio cristão sem grande resistência. Segundo o autor inglês de De expugnatione Lyxbonensi, uma testemunha do cerco de Lisboa, os habitantes de Sintra, em 1147, entregaram o seu castelo e submeteram-se ao rei. Durante a conquista do Alentejo e Algarve, é igualmente evidente que muitas praças-fortes muçulmanas foram entregues aos cristãos, aparentemente com pouca ou nenhuma oposição. Um cronista muçulmano anónimo do século XIV em Marrocos chegou mesmo a denunciar a entrega a cristãos de muitas praças por Ibn Mahfuz, o último soberano de Niebla. Uma hipótese avançada recentemente, embora baseando-se em provas extremamente escassas, é a de uma conversão em massa ao cristianismo por parte da população muçulmana conquistada em Portugal entre 1270 e 1320». In François Soyer, A Perseguição aos Judeus e Muçulmanos de Portugal, 2007, Edições 70, 2013, ISBN 978-972-441-709-7.

Cortesia de E70/JDACT