domingo, 25 de junho de 2017

Bizâncio. O Império da Nova Roma. Cyril Mango. «A Palestina era assim uma babel de línguas, mas a população autóctone, e que esta incluía dois grupos étnicos distintos, nomeadamente, os Judeus e os Samaritanos, falava aramaico»

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Aspectos da Vida Bizantina. Povos e Línguas
«(…) Situadas a leste da Capadócia, e abrindo caminho a uma série de cadeias montanhosas, encontram-se algumas províncias arménias que haviam sido anexadas ao Império em 387 d.C., quando o reino arménio se repartia entre a Pérsia e Roma. Estas províncias eram estrategicamente muito importantes, mas praticamente intocadas pela civilização greco-romana, pelo que continuaram a ser governadas pelos sátrapas nativos até Justiniano lhes impor uma nova forma de administração militar. No século V, os Arménios adquiriram o seu próprio alfabeto e começaram a construir uma literatura à base de traduções do grego e do sírio, fortalecendo o sentimento de identidade nacional. De facto, os Arménios, que desempenharam um papel crucial na história de Bizâncio, revelaram-se bastante resistentes à assimilação, tal como os outros povos caucasianos.
A fronteira entre a Arménia e a Mesopotâmia correspondia, aproximadamente, ao rio Tigre. Três séculos de ocupação da Pártia (desde meados do século II a.C. até à conquista romana cerca de 165 d.C.) apagaram praticamente todos os traços de helenização da Mesopotâmia, que os reis da Macedónia tanto haviam querido impor. A forma literária síria usava o dialecto de Edessa (Urfa), sendo nessa cidade abençoada, assim como em Amida (Diyarbakir), Nísibis (Nusaybin) e em Tur Abdin, que um vigoroso movimento monástico de crença monofisita alimentava o cultivo dessa língua. A Mesopotâmia era uma região fronteiriça: a fronteira entre Roma e a Pérsia apresenta uma curta distância a sueste da cidade-guarnição de Dara, enquanto Nísibis havia sido ingloriamente cedida aos Persas pelo imperador Joviano em 363. A separação cultural da Mesopotâmia certamente não ajudou o governo imperial, essencialmente por se tratar de uma área sensível.
O domínio dos dialectos aramaicos, a que pertence o sírio, estendia-se através da Síria e da Palestina até aos confins do Egipto. Aqui testemunhamos um fenómeno de considerável interesse. Quando os reinos helénicos se estabeleceram, a seguir à morte de Alexandre, o Grande, a Síria estava dividida entre os Ptolomeus e os Selêucidas. Os Ptolomeus, que obtiveram a metade do país a sul, pouco fizeram para estabelecer ali as colónias gregas. Pelo contrário, os Selêucidas, para quem o Norte da Síria tinha uma importância crucial, levaram a cabo uma colonização intensiva. Colonizaram algumas cidades novas, tais como Antioquia Orontes, Apameia. Selêucia e Laodiceia, introduzindo um elemento grego nas cidades existentes, tais como Alepo. A partir dessa altura, toda a Síria permaneceu continuamente sob uma administração de língua grega. No entanto, cerca de nove séculos mais tarde, a língua grega não está confinada apenas às cidades, mas alargada às mesmas cidades que haviam sido fundadas pelos reis helénicos. O campo, em geral, e as cidades que não eram de origem grega, como Emesa (Homs), mantiveram-se fiéis à sua língua autóctone, o aramaico.
É pouco provável que o uso do grego tivesse sido mais divulgado na Palestina do que foi no Norte da Síria, excepto em relação a um fenómeno artificial, nomeadamente, o desenvolvimento dos locais sagrados. A começar pelo reino de Constantino, o Grande, praticamente todos os lugares com fama bíblica se tornaram, como diríamos hoje, numa atracção turística. As pessoas vinham em grande número para a Palestina, oriundas de todos os cantos do mundo cristão: alguns como peregrinos em trânsito, outros procurando uma permanência mais duradoura. Mosteiros de todas as nacionalidades emergiram como cogumelos no deserto ao lado do mar Morto. A Palestina era assim uma babel de línguas, mas a população autóctone, e devemo-nos lembrar que esta incluía dois grupos étnicos distintos, nomeadamente, os Judeus e os Samaritanos, falava aramaico, como sempre o fizera». In Cyril Mango, Bizâncio, O Império da Nova Roma, 1980, Edições 70, 2008, ISBN 978-972-441-492-8.

Cortesia de E70/JDACT