domingo, 8 de novembro de 2020

O Símbolo Perdido. Dan Brown. «… o pescoço, o rosto e a cabeça raspada estavam completamente tomados por uma intrincada tapeçaria de símbolos e marcas. Eu sou um artefacto..., um ícone em construção»

 

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 «(…) Ao atravessar o corredor, o homem alto passou por antiguidades italianas de preço inestimável, uma água-forte de Piranesi, uma cadeira Savonarola, uma lamparina de prata Bugarini. Enquanto andava pela casa, olhou por uma janela que ia do chão até ao tecto para admirar o contorno clássico da paisagem distante. O domo luminoso do Capitólio reluzia com um poder solene contra o céu escuro de Inverno. É lá que ele está escondido, pensou. Está enterrado lá em algum lugar. Poucos eram os homens que sabiam da sua existência..., e mais raros ainda os que conheciam o seu impressionante poder ou a forma engenhosa como havia sido escondido. Até hoje, era o maior segredo não revelado daquele país. Os poucos que de facto conheciam a verdade mantinham-na oculta atrás de um véu de símbolos, lendas e alegorias. Agora eles abriram as suas portas para mim, pensou Mal'akh. Três semanas antes, num ritual obscuro testemunhado pelos homens mais influentes dos Estados Unidos, Mal'akh havia alcançado o grau 33, o mais alto escalão da mais antiga irmandade ainda activa no mundo. No entanto, apesar da nova posição de Mal'akh, os irmãos nada haviam revelado. E nem vão contar, sabia ele. Não era assim que funcionava. Havia círculos dentro de círculos..., irmandades dentro de irmandades. Mesmo que Mal'akh esperasse muitos anos, talvez nunca viesse a conquistar a sua total confiança.

Felizmente, não precisava disso para descobrir o seu mais bem guardado segredo. Minha iniciação cumpriu seu objectivo. Animado com o que estava por vir, ele seguiu a passos largos até ao seu quarto de dormir. Espalhados por toda a casa, alto-falantes transmitiam os sons fantasmagóricos de uma rara gravação de um castrado cantando o Lux Aeterna do Réquiem de Verdi, um lembrete de uma vida anterior. Mal'akh accionou o controle remoto para fazer soar o tonitruante Dies Irae. Então, embalado por um fundo musical de furiosos tímpanos e quintas paralelas, disparou escadaria de mármore acima, com o roupão a esvoaçar conforme galgava os degraus com as pernas musculosas. Enquanto corria, sua barriga vazia reclamou com um ronco. Já fazia dois dias que Mal'akh estava em jejum, bebendo apenas água, preparando o corpo segundo os antigos costumes. A sua fome será saciada ao raiar do dia, lembrou a si mesmo. Assim como a sua dor. Mal'akh adentrou o santuário de seu quarto com uma atitude de reverência, trancando a porta atrás de si. Enquanto seguia em direcção ao toucador, parou, sentindo-se atraído pelo enorme espelho dourado. Incapaz de resistir, virou-se para encarar o próprio reflexo. Vagarosamente, como quem desembrulha um precioso presente, abriu o roupão para revelar o corpo nu. A visão o deixou maravilhado. Eu sou uma obra-prima. Seu imenso corpo estava todo raspado e liso. Ele baixou os olhos primeiro para os pés, tatuados com as garras de um avião. Mais acima, as pernas musculosas desenhadas como botaréu esculpidas em relevo, a esquerda em espiral, a direita com estrias verticais. Boaz e Jaquim. A virilha e o abdómen eram um arco decorado, acima do qual o peito forte exibia o brasão da fénix de duas cabeças..., ambas em perfil, com os olhos aparentes formados pelos seus mamilos. Os ombros, o pescoço, o rosto e a cabeça raspada estavam completamente tomados por uma intrincada tapeçaria de símbolos e marcas. Eu sou um artefacto..., um ícone em construção.

Dezoito horas antes, um mortal tinha visto Mal'akh nu. O homem soltara um grito de medo. Meu Deus, você é um demônio! Se é assim que você me vê..., havia respondido Mal'akh, ciente, como os antigos, de que anjos e demónios eram idênticos, arquétipos intercambiáveis, e de que tudo era uma questão de polaridade: o anjo guardião que derrotava o inimigo no campo de batalha era considerado por ele um demónio destruidor.

Mal'akh então inclinou o rosto para baixo, obtendo uma visão oblíqua do próprio cocuruto. Ali, dentro do halo que parecia uma coroa, reluzia um pequeno círculo de pele clara, sem tatuagem. Aquela tela cuidadosamente preservada era o único pedaço de pele virgem do corpo de Mal'akh. O lugar sagrado vinha aguardando pacientemente..., e naquela noite seria preenchido. Embora Mal'akh ainda não tivesse em mãos aquilo de que precisava para completar sua obra-prima, sabia que a hora estava se aproximando depressa. Empolgado com o próprio reflexo, já podia sentir seu poder aumentar. Fechou o roupão e andou até à janela, olhando novamente para a cidade mística à sua frente. Ele está enterrado lá em algum lugar. Tornando a se concentrar na tarefa em questão, Mal'akh foi até à penteadeira e, com cuidado, cobriu o rosto, o couro cabeludo e o pescoço com uma camada de correctivo até as tatuagens sumirem. Então vestiu as roupas e outros acessórios especiais que havia preparado meticulosamente para aquela noite. Ao terminar, examinou-se no espelho. Satisfeito, alisou o couro cabeludo com a palma suave de uma das mãos e sorriu. Ele está lá, pensou. E hoje à noite um homem vai me ajudar a encontrá-lo. Enquanto saía de casa, Mal'akh se preparava para o acontecimento que abalaria o prédio do Capitólio dos Estados Unidos naquela noite. Fizera um esforço imenso para colocar todas as peças nos seus devidos lugares. E agora, finalmente, seu último peão havia entrado no jogo». In Dan Brown, O Símbolo Perdido, 2009, Bertrand Editora, 2009, ISBN 978-972-252-014-0.

Cortesia de BertrandE/JDACT

JDACT, Dan Brown, Washington, D.C., Literatura, Maçonaria,