sábado, 26 de dezembro de 2020

A Fachada do Paço Ducal de Vila Viçosa. Vitor Serrrão. «Entre as suas jóias de referência, a cidade dos mármores possui um Paço que é não só o maior e o mais importante monumento português de arquitectura civil do século XVI…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Os arquitectos Nicolau Frias e Pero Vaz Pereira.

O Paço de Vila Viçosa, a Corte na Aldeia. Um problema de arte

«A candidatura de Vila Viçosa a Património da Humanidade junto das instâncias da UNESCO tem, entre as suas evidenciadas mais-valias patrimoniais, a força acrescida de incluír como peça mais aprimorada o conjunto monumental do Paço dos Duques de Bragança. Entre as suas jóias de referência, a cidade dos mármores possui um Paço que é não só o maior e o mais importante monumento português de arquitectura civil do século XVI, como um dos mais expressivos testemunhos da época maneirista, e desse gosto estilístico, a nível da Península. Essa é razão de sobra para que um processo de revalorização da cidade alentejana, como é a candidatura em curso, seja encarado com boas expectativas.  A fachada do Terreiro é de majestoso poder cenográfico, ainda que nem sempre tal tenha sido reconhecido pela historiografia que dela se ocupou. Não só a sua cenografia é grandiloquente, como o prospecto arquitectónico tem vincada erudição, mas tal nem sempre significou que sobre o edifício se lançasse o olhar analítico que merecia e impunha. O Paço Ducal, centro importante de vida literária e cultural que a fez cenário da famosa corte na aldeia de Rodrigues Lobo, é também mal conhecido no que diz respeito à génese das suas obras de construção, sendo a arquitectura da grande fachada que lança para o terreiro frequentemente considerada de época mais antiga: foi vista como tendo filiação renascentista, fruto das iniciativas do quinto titular da casa, o duque Teodósio I (1532-1563), e sequaz das linguagens classicistas do primeiro Renascimento italiano. Veremos que a tese não tem fundamentação histórico-artística.

É necessário perceber-se, antes de mais, o que foi construído no Paço de Vila Viçosa durante a segunda metade do século XVI, bem como o espírito que presidiu, ao mesmo tempo, às decorações intestinas das casas novas. A documentação abunda, e a leitura das formas artísticas permite que saibamos melhor o que persistiu das campanhas primevas iniciadas no tempo do 4º duque Jaime, e o que efectivamente lhe foi acrescentado, em monumentalidade e extensão, no tempo do sexto duque João I (1563-1583), fase em que os corpos do terreiro ducal foram concebidos e começaram a ser erigidos segundo o prospecto que remanesceu até aos nossos dias. Essa campanha maneirista concluiu a empresa ducal da fachada no tempo do sétimo duque Teodósio II (1583-1630).

Apura-se, pelo que ainda felizmente chegou aos nossos dias em termos de documentação arquivística, que coube ao arquitecto lisboeta Nicolau Frias um papel decisivo nessa concretização do plano de engrandecimento da Casa Ducal, à medida desejada dos seus interesses e estratégias políticas. Este arquitecto, ao mesmo tempo empregue por Teotónio de Bragança, arcebispo de Évora (1578-1602), na direcção das obras mais importantes da sua arquidiocese, vai ser essencial na definição dos valores que a fachada do Terreiro vai assumir, à entrada do último quartel do século XVI, num discurso nobiliárquico de forte aparato, apto a encantar os embaixadores e demais visitantes estrangeiros, pródigos em elogios à magnificência palacial apresentada pela sede da Casa de Bragança.

No término da construção ducal, em empreitadas teodosinas realizadas entre o final do século XVI e a passagem para o século XVII, destacar-se-á de seguida outro artista, Pero Vaz Pereira, educado na cidade de Roma, que será mesmo designado arquitecto e escultor do duque Teodósio II e que nesse âmbito ultimará o projecto da fachada de Nicolau Frias.

A monumental fachada palatina: estado da questão

O Paço Ducal de Vila Viçosa, emblemática sede da Casa de Bragança, estima-se, como se disse, entre os mais notáveis empreendimentos da arquitectura senhorial do pleno século XVI da Península Ibérica. A esplêndida massa da sua fachada dispõe-se em triplo andar com vinte e três tramos forrados de mármore, num longo e grandiloquente prospecto arquitectónico, único no seu tempo se se exceptuar o destruído Paço Real na Ribeira de Lisboa». In Vitor Serrão, A Fachada do Paço Ducal de Vila Viçosa, Os arquitectos Nicolau Frias e Pero Vaz Pereira, O Paço de Vila Viçosa, a Corte na Aldeia. Um problema de arte, ARTIS-IHA-FLUL-Instituto de História da Arte. Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Callipole, Revista de Cultura n.º 22, 2015.

Cortesia de Callipole/RCultura/JDACT

JDACT, Vitor Serrrão, Cultura e Conhecimento, Vila Viçosa, Alentejo,