segunda-feira, 19 de julho de 2021

Aposta Indecente. Matilda Wright. «Catherine fez-lhe sinal com a mão para que se sentasse e sentou-se ela também. Calculei que fosse isso, apesar do criado ter-me dito que vinha apresentar os seus pêsames. Foi delicado da sua parte e devo agradecer-lhe»

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«(…) E estava imaginando tudo isto quando a porta voltou a abrir-se e entrou uma jovem alta e magra, vestida de luto, mas cuja roupa parecia não ter sido feita para ela. O corpete era muito grande e tinha os punhos dobrados e a saia caía sem graça, como se estivesse pendurada num cabide. O preto do tecido não tinha brilho e mostrava o desgaste dos anos. Louis supôs imediatamente que se tratava de uma filha do velho tabelião, e reparou, quase em pânico, que nunca tinha posto a hipótese de Duvernois ter descendência. Mas era um homem do mundo e não deixou transparecer a surpresa com que recebeu a sua chegada. Dirigiu-se e estendeu a mão para beijar a dela: Louis Villeclaire, disse, tocando-lhe a pele com os lábios e reparou que a mão da moça era pequena, branca, delicada, com unhas perfeitas, sem anéis. Catherine Duvernois, respondeu ela, numa voz suave, e logo depois acrescentou: suponho que veio cobrar alguma dívida que o meu marido tinha consigo, senhor marquês... Louis sentiu-se fulminado por um raio. Aquela jovem, que teria pouco mais de vinte anos, era a viúva do tabelião! Olhou uma vez mais para ela e admirou-lhe os enormes olhos verdes, as maçãs do rosto salientes, a boca cheia e bem desenhada e o cabelo escuro que lhe caía, encaracolado, nos ombros e nas costas. Era muito bonita. Era mais do que bonita, era verdadeiramente encantadora, mas de uma beleza triste. Exactamente..., concordou o jovem marquês.

Catherine fez-lhe sinal com a mão para que se sentasse e sentou-se ela também. Calculei que fosse isso, apesar do criado ter-me dito que vinha apresentar os seus pêsames. Foi delicado da sua parte e devo agradecer-lhe. Mas desde esta manhã tenho recebido várias visitas de credores e não vi razão para a sua ser diferente. Duvernois não tinha amigos... Louis tossiu ligeiramente, sem saber o que lhe responder. Estava encantado com a beleza daquela mulher e, ao mesmo tempo, confuso com o facto de tal beldade ser a viúva de um homem tão velho e tão repugnante como o velho tabelião. Catherine continuou: se quiser fazer o favor de me dizer o montante da dívida, venderei o que for necessário e amanhã ou depois saldarei a quantia. Duvernois não deixou dinheiro, deixou contas para pagar e é isso que tenho feito. Espero que compreenda e que tenha a paciência de esperar alguns dias. Não me parece que seja possível, minha senhora. De facto, trouxe os documentos comigo, o seu marido devia-me dois bilhões de francos... Catherine empalideceu ao ouvi-lo dizer tal coisa e foi com as mãos tremendo que segurou os papéis que Villeclaire lhe estendia. Depois de ler perguntou com a voz serena, mas firme: o que pretende fazer agora, senhor marquês? Tomar imediatamente posse do que é meu, minha senhora, antes que outros credores a visitem e a senhora se lembre de vender património que já é meu.

Catherine Duvernois olhou-o nos olhos, desta vez com desprezo e isso o irritou. Não gostava de ser desafiado e muito menos por uma mulher. Nunca antes alguma tinha tido a ousadia de o olhar daquela maneira. Aquela moça, certamente, não sabia com quem estava falando. E o que vai fazer connosco uma vez que, agora, pelo que leio, também somos propriedade sua?, perguntou ela. Ah! A altivez com que lhe falava! Era, de facto, muito bonita, mas o seu orgulho irritava-o. Quantas pessoas moram nesta casa?, Villeclaire respondeu-lhe com outra pergunta. Eu, o criado que já conhece e uma cozinheira, respondeu Catherine, sem deixar de o olhar de frente. Estava sentada com as costas muito direitas e tinha um porte orgulhoso, apesar da pobreza das roupas que vestia. Não há mais empregados nem mais família? Apenas o escrivão que trabalhava no gabinete da Rue des Francs Bourgeois. Mais ninguém? Mais ninguém. Não há um feitor, um caseiro, em Saint-Cast-le-Guido?» In Matilda Wright, Aposta Indecente, 2011, Editor Livros d’Hoje, Publicações dom Quixote, 2011, ISBN 978-972-204-776-0.

Cortesia de Ld’Hoje/JDACT

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