segunda-feira, 12 de julho de 2021

Cyril Mango. Bizâncio. O Império da Nova Roma. «Os Arménios eram quase todos descritos em termos do seu carácter abusador. Até os demónios, tinham fortes sentimentos de afiliação local…»

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Aspectos da Vida Bizantina. Povos e Línguas

«(…) Obviamente, estes eslavónios formavam ainda um grupo distinto. No século seguinte, Anna Comnena refere-se a uma aldeia na Bitínia localmente chamada Sagoudaous, presumivelmente por causa da tribo Sagoudatai, atestada na Macedónia no século VII. Um pouco mais tarde, o contingente eslavónico na Bitínia foi aumentado pelo imperador João II Comneno, que estabeleceu perto de Nicomédia um grupo de eslavos cativos. As aldeias sérvias ainda são mencionadas nesses locais no século XIII. Por outras palavras, é bem possível que os eslavos da Bitínia, ou pelo menos parte deles, tenham sido assimilados pelos Turcos Otomanos sem que nunca se tornassem gregos. A conclusão óbvia a tirar destes e de muitos outros casos é a de que o Império Bizantino do Período Médio não foi de modo nenhum um Estado solidamente grego. Além dos elementos arménios e eslavos, havia muitos outros elementos estrangeiros, tais como os Georgianos e os Valáquios dos Balcãs. A afluência maciça de Sírios e outros cristãos orientais seguiu a expansão do Império em direcção ao Oriente, em finais do século X; e quando, em 1018, a fronteira imperial se estendeu mais uma vez até ao Danúbio, abrangia vastas áreas onde o grego nunca fora falado ou se havia extinguido há muito tempo atrás. Se os falantes de grego formavam na altura a maioria ou a minoria dos habitantes do Império permanece uma incógnita. De um modo geral, não é fácil definir o sentimento de solidariedade, se é que haveria algum, que unia os habitantes multinacionais do Império. No século VI o mote Gloria Romanorum aparecia ainda, por vezes, na cunhagem de moedas imperiais, mas não é provável que existisse muita devoção nas províncias orientais à ideia de Romanitas. Além disso, lealdade a Roma e admiração pela sua antiga grandeza haviam sido um tema regular da polémica pagã, enquanto a Igreja mantinha a posição de que os cristãos eram, acima de tudo, cidadãos da Jerusalém Celestial e, ao fazê-lo, provavelmente terá enfraquecido a coesão do Império. Para não falar do facto de não ter havido exemplos de lealdade ao Estado na história bizantina, com efeito, verifica-se completamente o contrário. Será suficiente lembrar o desespero da população de Nísibis quando a sua cidade fora cedida aos Persas em 363, a demonstração de sentimentos pró-romanos em Edessa em 449, no contexto de lutas sectárias, e uma série de casos semelhantes. Porém, devemo-nos de seguida recordar que na altura a única alternativa a viver sob a lei romana era viver sob a lei persa (o que era, normalmente, pior). As pessoas esmagadas pelo peso dos impostos sentiam-se muitas vezes tentadas a desertar para o inimigo, e até a juntar-se a alguma tribo bárbara onde não se cobrasse impostos. Todavia, isso não era uma opção para aqueles que desfrutavam de um bom nível de vida. Um sentimento de Romanitas dificilmente era um factor decisivo. Ao que se pode julgar, os principais elos de solidariedade foram dois: regional e religioso. As pessoas identificavam-se com as suas aldeias, as suas cidades e as suas províncias muito mais do que com o Império. Quando alguém estava longe de casa, não passaria de um estranho, sendo muitas vezes tratado como suspeito. Um monge da Ásia Menor Ocidental que se juntou a um mosteiro no Ponto foi denegrido e maltratado por todos como se fosse um estranho. O corolário para a solidariedade regional era a hostilidade regional. Encontramos muitos testemunhos depreciativos em relação aos Sírios astutos que falavam com um sotaque cerrado, aos grosseiros Paflagónios, os pedintes de Creta. Os Alexandrinos incitavam à ridicularização de Constantinopla. Os Arménios eram quase todos descritos em termos do seu carácter abusador. Até os demónios, tinham fortes sentimentos de afiliação local e não queriam associar-se aos seus companheiros das províncias vizinhas». In Cyril Mango, Bizâncio, O Império da Nova Roma, 1980, Edições 70, 2008, ISBN 978-972-441-492-8.

Cortesia de E70/JDACT

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