segunda-feira, 4 de outubro de 2021

A Herança Messiânica. Michael Baigent, Richard Leigh, Henry Lincolin. «… como adversários militantes, contra o establishment eclesiástico, como se estivéssemos pessoalmente interessados em derrubar o edifício da cristandade…»

Cortesia de wikipedia e jdact

O malogro dos estudos bíblicos

«(…) Em contraste com o pastor culto, o rebanho não teve oportunidade sequer de se familiarizar com o indício em questão ou de encarar as incoerências entre relatos bíblicos e o pano de fundo da história real. Para o cristão devoto, nunca houve necessidade de conciliar facto e fé, história e teologia, simplesmente porque ele nunca teve qualquer razão para supor que poderia haver distinção entre essas coisas. Talvez não tenha sequer pensado conscientemente na Palestina de 2 mil anos atrás como um lugar muito real, situado no espaço e no tempo, sujeito a um confusa mescla de factores sociais, psicológicos, políticos, económicos e religiosos, o mesmo tipo de factores que operam em qualquer localidade real, passada ou presente. Ao contrário, nos Evangelhos a história está com frequência inteiramente divorciada de qualquer contexto histórico, uma narrativa de absoluta, mítica e intemporal simplicidade, encenada numa espécie de limbo, uma terra do nunca de muito tempo atrás e muito longe daqui. Jesus, por exemplo, aparece ora na Galileia, ora na Judeia; ora está em Jerusalém, ora nas margens do Jordão. O cristão moderno, contudo, com frequência não faz ideia da relação geográfica e política existente entre esses lugares, a que distância podiam estar um do outro, quanto tempo poderia demandar a viagem de um a outro. Os títulos dos vários funcionários públicos parece-lhe muitas vezes sem sentido. Romanos e judeus circulam confusamente em segundo plano, como figurantes num cenário de filmagem e, quando há alguma imagem concreta deles, ela em geral deriva de uma ou outra superprodução de Hollywood, Pilatos com sotaque do Brooklin. Para a congregação leiga, os relatos das Escrituras são história literal, uma história independente e não menos verdadeira por estar dissociada de um contexto histórico. Não tendo aprendido outra coisa de seus mentores espirituais, muitos crentes devotos nunca sentiram qualquer necessidade de enfrentar os problemas suscitados por tal contexto. Quando subitamente formulados por um livro como o nosso, esses problemas assumem para essas pessoas, de maneira muito compreensível, a forma de revelação ou de sacrilégio. E nós mesmos passamos a ser instintivamente vistos como anticristãos, como escritores plenamente engajados numa cruzada que nos lança, como adversários militantes, contra o establishment eclesiástico, como se estivéssemos pessoalmente interessados em derrubar o edifício da cristandade (e fôssemos ingénuos a ponto de pensar que isso é possível).

Nossa conclusão em perspectiva

Como seria desnecessário dizer, não acalentamos tais intenções. Não estamos engajados em nenhum tipo de cruzada. Não temos nenhum desejo particular de converter ninguém. Certamente não estamos tentando deliberadamente abalar a fé do povo. Em O santo graal e a linhagem sagrada nossa motivação foi, na verdade, bastante simples. Tínhamos uma história para contar, e essa história nos parecia merecer, especialmente, ser contada. Estivemos envolvidos numa aventura histórica tão palpitante quanto uma história de detective ou um romance policial. Ao mesmo tempo, a aventura se mostrara também bastante informativa, revelando vastos tratos do passado da nossa civilização, e não apenas bíblico, que de outro modo nós e nossos leitores não poderíamos explorar. Desejávamos partilhar nossa história, num espírito muito semelhante àquele que nos leva a puxar o braço de uma pessoa amiga e chamar sua atenção para uma paisagem surpreendente ou um pôr-do-sol espetacular». In Michael Baigent, Richard Leigh, Henry Lincolin, A Herança Messiânica, 1994, Editora Nova Fronteira, 1994, ISBN 978-852-090-568-5.

Cortesia de ENFronteira/JDACT

Michael Baigent, Richard Leigh, Henry Lincolin, JDACT, Literatura, Religião, Crónica,