domingo, 31 de outubro de 2021

No 31. Catarina a Grande. Robert K. Massie. «Às duas e meia de 21 de Abril de 1729, na fria madrugada cinzenta do Báltico, nasceu o bebé de Joana. Ai, a criança era uma menina. Joana e o mais conformado Cristiano Augusto conseguiram dar um nome à criança, Sofia Augusta…»

Cortesia de wikipedia e jdact

A Infância de Sofia

«Príncipe Cristiano Augusto de Anhalt-Zerbst dificilmente se distinguia na chusma de obscuros nobres empobrecidos que conturbavam o panorama e a sociedade da politicamente fragmentada Alemanha do século XVIII. Não possuindo qualidades excepcionais nem vícios alarmantes, o príncipe Cristiano demonstrava as sólidas virtudes da sua linhagem Junker: um grave senso de ordem e disciplina, integridade, parcimónia e piedade, aliados a uma inabalável falta de interesse por fofocas, intrigas, literatura e o mundo externo em geral. Nascido em 1690, fez carreira como soldado profissional no Exército do rei Frederico Guilherme da Prússia. Sua actuação militar em campanhas contra a Suécia, França e Áustria foi meticulosamente organizada, mas as suas proezas no campo de batalha não foram extraordinárias, e nada aconteceu para acelerar ou retardar sua carreira. Quando veio a paz, o rei, que certa vez teria-se referido a seu leal oficial como aquele idiota, Zerbst, deu-lhe o comando de um regimento de infantaria que guarnecia o porto de Stettin, recentemente adquirido da Suécia, na costa báltica da Pomerânia. Ali, em 1727, o príncipe Cristiano, ainda solteiro aos 37 anos, acedeu aos apelos da família e se dispôs a produzir um herdeiro. Vestindo seu melhor uniforme azul e levando a sua reluzente espada cerimonial, desposou a princesa Joana Elizabeth de Holstein-Gottorp, de 15 anos de idade, que ele mal conhecia. A família dele, que havia arranjado a união com a dela, estava exultante. A linhagem de Anhalt-Zerbst parecia assegurada e, além disso, a família de Joana estava um degrau acima na escala de posição social.

Foi um mau casamento. Havia problemas de diferença de idade. A união de uma adolescente com um homem de meia-idade geralmente é fruto de uma confusão de motivos e expectativas. Quando Joana, de uma boa família, mas com pouco dinheiro, chegou à adolescência, e seus pais, sem consultá-la, arranjaram essa união a um homem respeitável com quase o triplo da sua idade, Joana só pôde consentir. Facto ainda menos promissor, o carácter e o temperamento dos dois eram quase totalmente opostos. Cristiano Augusto era simples, honesto, austero, recluso e parcimonioso. Joana Elizabeth era complicada, vivaz, amante do prazer e extravagante. Era considerada bela e, com as sobrancelhas arqueadas, cabelos louros cacheados, charme e uma exuberante vontade de agradar, atraía facilmente as pessoas. Em ocasiões sociais, tinha necessidade de cativar, mas, à medida que envelhecia, tentava um pouco demais. Com o tempo, outras falhas apareceram. Muita conversa alegre revelava sua superficialidade; quando era contrariada, seu charme azedava para a irritabilidade, e o temperamento forte explodia sem aviso. Subjacente a esse comportamento, e Joana sabia disso desde o início, estava o facto de que seu casamento havia sido um terrível, e agora inescapável erro.

A confirmação veio rapidamente, quando ela viu a casa em Stettin, para onde o marido a trouxera. Joana havia passado a juventude em ambientes extremamente elegantes. Tinha 11 irmãos e, como a família formava um ramo menor ligado aos duques de Holstein, seu pai, o bispo luterano de Lubeck, levou Joana para morar com a madrinha, duquesa de Brunswick, que não tinha filhos. Ali, na mais sumptuosa e magnífica corte do Norte da Alemanha, ela se acostumou a uma vida de lindas roupas, pessoas sofisticadas, bailes, óperas, concertos, fogos de artifício, caçadas e frequentes mexericos divertidos. Seu marido, Cristiano Augusto, oficial de carreira vivendo com um magro soldo do Exército, não podia oferecer nada disso. O melhor que pôde arrumar foi uma modesta casa de pedras cinzentas numa rua calçada, constantemente varrida pelo vento e a chuva. A cidade fortificada de Stettin, cercada por muralhas sobre o triste Mar do Norte e dominada pela rígida atmosfera militar, não era um lugar onde a alegria, a graciosidade e quaisquer refinamentos sociais pudessem florescer. As esposas na guarnição tinham uma vida tediosa, e a vida das mulheres na cidade era ainda mais tediosa. E ali exigia-se que a jovem animada, recém-chegada do luxo e dos divertimentos da corte de Brunswick, vivesse com uma renda mínima, ao lado de um marido puritano dedicado à vida militar, habituado a uma economia severa, equipado para comandar, mas não para conversar, e ansioso pelo êxito da mulher no empreendimento para o qual a desposara: dar-lhe um herdeiro. Nesse sentido, Joana fez o melhor possível, era uma esposa obediente, ainda que infeliz. Mas sempre, no fundo, ela ansiava por ser livre: livre do marido enfadonho, livre da relativa penúria, livre do estreito mundo provinciano de Stettin. Sempre teve certeza de que merecia algo melhor. E então, passados 18 meses do casamento, ela teve um bebé. Aos 16 anos, Joana não estava preparada para as realidades da maternidade. Havia lidado com a gravidez enovelando-se em sonhos de que os filhos seriam extensões dela mesma, e a vida deles poderia abrir uma larga avenida para ela percorrer realizando suas próprias ambições. Nesses sonhos, tinha a certeza de que a criança no seu ventre, seu primogénito, seria um filho herdeiro do pai e, principalmente, um menino bonito, extraordinário, cuja brilhante carreira ela viria a orientar e finalmente compartilhar.

Às duas e meia de 21 de Abril de 1729, na fria madrugada cinzenta do Báltico, nasceu o bebé de Joana. Ai, a criança era uma menina. Joana e o mais conformado Cristiano Augusto conseguiram dar um nome à criança, Sofia Augusta Frederica, mas, desde o começo, Joana não conseguiu sentir nem expressar qualquer sentimento maternal. Não amamentou nem acariciou a filha. Não perdia tempo olhando-a no berço, nem a pegava no colo. Em vez disso, entregou abruptamente a menina aos cuidados de criados e amas de leite». In Robert K. Massie, Catarina a Grande, Editora Rocco, 2012, ISBN 978-853-252-799-8.

Cortesia de ERocco/JDACT

JDACT, Robert K. Massie, Literatura, Conhecimento,