segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

No 31. Prisioneira da Inquisição. Theresa Breslin. «Ah, sua mãe, disse Garci. Ela era a mais bondosa das mulheres. Suspirou, e eu soube que havia lágrimas nos seus olhos»

Cortesia de wikipedia e jdact

A Chegada da Inquisição (maldita) 1490-1491

Zarita

«(…) A mãezinha teria desejado isso, disse-lhe. Ela teria ficado horrorizada com a morte do mendigo e providenciaria para que a esposa deste fosse cuidada. Alguns momentos se passaram antes de Garci responder. Você tem razão, disse. A sua maizinha teria feito o que você diz. Irei com você procurar essa pobre mulher. Garci sabia que o paizinho não podia tomar conhecimento de nossa expedição, portanto esperamos até uma tarde quando ele estava ausente, visitando a casa do pai da condessa Lorena nas colinas vizinhas. Tive o bom senso de me vestir com simplicidade, sem usar roupas finas nem jóias, e cobrir completamente o cabelo e o rosto. Mas, antes mesmo de chegarmos aos arredores das barricadas da cidade, Garci quis voltar. Essas favelas não são lugar para uma pessoa decente, disse-me. Mesmo assim, pessoas decentes devem viver aqui, retruquei. Ou você acha que a pobreza torna uma pessoa indecente? Essa era uma das frases da maizinha; ela defendia sua caridade a meu pai quando ele declarava que, na sua opinião, os pobres causavam infortúnio a si mesmos. Garci não respondeu; apenas fez um ruído estalando a língua para demonstrar sua desaprovação. Estou fazendo um acto de caridade, acrescentei para acalmá-lo, e então lembrei-lhe: Minha mãe teria aprovado. Ah, sua mãe, disse Garci. Ela era a mais bondosa das mulheres. Suspirou, e eu soube que havia lágrimas nos seus olhos.

Depois disso ele se tornou mais submisso, batendo de porta em porta para perguntar sobre o paradeiro de uma mulher doente que agora devia estar sozinha, mas anteriormente tivera marido e filho cuidando dela. Contudo, não achamos qualquer vestígio da mulher. Um grande número de portas permaneceu fechado para nós, e as pessoas que abriam as suas eram hostis e desconfiadas. Finalmente, Garci parou no meio da rua. É inútil, afirmou. A mulher do mendigo pode estar em qualquer aposento deste emaranhado de construções, doente demais para se levantar e atender nossas batidas à porta. Havia uma velha senhora sentada num batente. Fui até lá e me ajoelhei diante dela. Mãe, falei. Ela me olhou com leitosos olhos brancos de extrema velhice. Eu não tenho filha, rebateu. Tive três excelentes filhos, mas foram para a guerra e nunca mais os vi. Eu lhe chamei de mãe porque não tenho uma, disse-lhe baixinho. A velha estendeu a mão nodosa e tocou a minha. Perguntei-lhe se conhecia alguém que pudesse ser a mulher que procurávamos. Não conheço tal pessoa, respondeu. Desesperada, sentei-me sobre os calcanhares. Então tateei dentro da bolsa, tirei uma moeda e lhe dei. Ela escondeu-a numa dobra da roupa, e fiquei imaginando quantos dias de pão ela teria com aquilo. Ao me levantar, a velha ergueu a cabeça e informou: Talvez haja alguém que possa ajudar. Há um homem, um médico, que mora na casa do fim da rua. Ele cuida de quem está doente, mas não tem dinheiro. Caminhei rapidamente para a casa que ela indicou. Mas, quando chegamos perto da porta, Garci recuou. É a casa de um judeu, disse ele, e se benzeu. É a casa de um médico que pode nos ajudar, retorqui. Um homem abriu a porta da frente e permaneceu na entrada. Porque estão parados na rua olhando para a minha casa? Garci pôs a mão no meu braço para me afastar dali. O homem pareceu se divertir com isso e fez menção de voltar para dentro. Falei rapidamente: Estou procurando uma mulher, uma mulher em particular, que está doente. Informei tudo o que sabia sobre a esposa do mendigo». In Theresa Breslin, Prisioneira da Inquisição, 2010, Galera Record, 2014-2015, ISBN 978-850-110-256-0.

 Cortesia de GRecord/JDACT

 JDACT, Theresa Breslin, Literatura, Espanha,