segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

O Erotismo. Georges Bataille. «A fórmula de Caillois me leva a dizer desde já (sem nela me deter) desse interdito informe e universal que ele é sempre o mesmo. Como sua forma, seu objecto muda…»

jdact e wikipedia

O interdito ligado à reprodução

«(…) Essas restrições variam grandemente de acordo com as épocas e os lugares. Todos os povos não sentem da mesma maneira a necessidade de esconder os órgãos da sexualidade; mas escondem geralmente da visão o órgão masculino em erecção; e, em princípio, o homem e a mulher procuram a solidão no momento da conjunção. A nudez, nas civilizações ocidentais, transformou-se no objecto de um interdito bastante pesado, bastante geral, mas o tempo presente questiona o que parecia ser um fundamento. A experiência que temos de mudanças possíveis não mostra, aliás, o sentido arbitrário dos interditos: ela prova, ao contrário, um sentido profundo que eles têm, apesar de mudanças superficiais que incidem sobre um ponto que em si mesmo não teve importância. Conhecemos hoje a fragilidade dos aspectos que demos ao interdito informe de onde decorre a necessidade de uma actividade sexual subordinada a restrições geralmente observadas. Mas adquirimos nessa ocasião a certeza de uma regra fundamental que exige nossa submissão a certas restrições em comum. O interdito que se opõe em nós à liberdade sexual é geral, universal; os interditos particulares são os seus aspectos variáveis. Espanta-me ser o primeiro a dizer isto tão claramente. É comum isolar um interdito particular, como a proibição do incesto, que é somente um seu aspecto, e só ir buscar explicação fora de seu fundamento universal que é a interdição informe e universal, cujo objecto é a sexualidade. Mas, excepcionalmente, Roger Caillois escreve: Problemas que fizeram correr muita tinta, como a proibição do incesto, só podem receber solução exacta se os considerarmos como casos particulares de um sistema que abranja a totalidade das interdições religiosas numa determinada sociedade. A meu ver, a fórmula de Caillois é perfeita no seu princípio, mas determinada sociedade é ainda um caso particular, um aspecto. O que deve ser abordado no momento é a totalidade das interdições religiosas de todos os tempos, em todos os lugares.

A fórmula de Caillois me leva a dizer desde já (sem nela me deter) desse interdito informe e universal que ele é sempre o mesmo. Como sua forma, seu objecto muda: mas, quer se trate da sexualidade ou da morte, o que é sempre visado é a violência, a violência que assusta e que fascina.

A proibição do incesto

O caso particular da proibição do incesto é o que mais chama a atenção, ao ponto de substituir numa representação geral o interdito sexual propriamente dito. Todos sabemos que existe um interdito sexual informe e indizível: a humanidade inteira o observa, mas de uma maneira bem diversificada, de acordo com os tempos e os lugares, de sorte que não foi possível se chegar a uma fórmula que permitisse falar dele de uma forma mais abrangente. A interdição do incesto, que não é menos universal, traduz-se em práticas precisas sempre rigorosamente bem formuladas, e uma só palavra, cujo sentido formal não é contestável, dá a sua definição geral. É esta a razão porque o incesto foi o objecto de numerosos estudos, enquanto o interdito do qual ele é apenas um caso particular, e de onde deriva um conjunto sem coerência, não ocupa um lugar no espírito dos que têm a oportunidade de estudar os comportamentos humanos. Tanto é verdade que a inteligência humana é levada a considerar o que é simples e definível e a negligenciar o que é vago, fugidio e variável. Assim, o interdito sexual escapou até agora à curiosidade dos estudiosos, enquanto as formas variadas do incesto, não menos claramente determinadas que as das espécies animais, propunham o que eles queriam: enigmas sobre os quais podiam exercer sua sagacidade». In Georges Bataille, O Erotismo, 1957/1968, tradução de João Bernard Costa, L&PM Editores, 1987, Editora Antígona, Lisboa, 1988, ISBN 978-972-608-018-3.

Cortesia de L&PM/E Antígona/JDACT

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