sábado, 27 de março de 2010

Alexandre O'Neill: A Vanguarda e Constância

(1924-1986)
 Alexandre Manuel Vahía de Castro O'Neill, descendente de irlandeses, foi um importante poeta do movimento surrealista.
Autodidacta, O'Neill foi um dos fundadores do Movimento Surrealista de Lisboa. É nesta corrente que publica a sua primeira obra, o volume de colagens «A Ampola Miraculosa», mas o grupo rapidamente se desdobra e acaba. As influências surrealistas permanecem visíveis nas obras dele, que além dos livros de poesia incluem prosa, discos de poesia, traduções e antologias. Não conseguindo viver apenas da sua arte, o autor alargou a sua acção à publicidade. É da sua autoria o lema publicitário «Há mar e mar, há ir e voltar».
Em 1951, no «Pequeno Aviso do Autor ao Leitor», inserido em Tempo de Fantasmas, Alexandre O'Neill demarcou-se como surrealista. A influência deste corrente manifesta-se em poemas como «Diálogos Falhados», «Inventário» ou «A Central das Frases» e na insistência em motivos comuns a muitos poetas surrealistas, como a «bicicleta» e a «máquina de costura».

Há palavras que nos beijam

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado).

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

Alexandre O'Neill

A poesia de Alexandre O'Neill concilia uma atitude de vanguarda, (surrealismo e experiências próximas do concretismo), que se manifesta no carácter lúdico do jogo com as palavras, no seu bestiário, que evidencia o lado surreal do real, ou nos típicos «inventários» surrealistas. Os seus textos caracterizam-se por uma intensa sátira aos «donos» de Portugal, destruindo a imagem de um «proletariado heróico» criada pelo neorealismo, a que contrapõe a vida mesquinha, a dor do quotidiano, vista no entanto sem dramatismos, ironicamente, numa alternância entre a constatação do absurdo da vida e o humor como única forma de se lhe opor.
Escolhas como a solidão, o amor, o sonho, a passagem do tempo ou a morte, conduzem ao medo (bem patente no trabalho simbólico do rato em «O Poema Pouco Original do Medo» ou a revolta, de que o homem só poderá libertar-se através do humor, contrabalançado por vezes por um tom discretamente sentimental, revelador de um certo desespero perante o marasmo do país (meu remorso, meu remorso de todos nós). Este humor reflecte a própria organização social, pela integração nela operada do calão e da gíria.
Tinha uma atracção especial pelo fado, nascendo muitos poemas como «Gaivota», musicado por Alain Oulman para a voz de Amália Rodrigues. Foi crítico de televisão sob o pseudónimo de A. Jazente. Recebeu o prémio da Associação de Críticos Literários em 1982.



Cortesia de mjrscorreia
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