quarta-feira, 28 de outubro de 2015

O Arcebispo de Braga. Diogo Sousa. Nair de Nazaré Soares. «… Egidio Viterbo e sua importância, pela repercussão que teve nos temas que figuram na abóbada da Capela Sixtina e na Stanza della Segnatura de Rafael»

Cortesia de wikipedia e jdact

Príncipe Umanizzato do Renascimento. Projecto educativo moderno
(…) Estas orações de obediência e as celebrações públicas de júbilo pelos grandiosos feitos lusos, com festas, procissões, missas solenes e pregações, bem como a divulgação pela imprensa romana das cartas da chancelaria portuguesa que davam notícia das conquistas ao infiel, em círculos mais restritos, contribuem para a criação de um mundo de fantasia, de utopia, que se reflecte nas letras e nas artes, de muitos autores nacionais, mas também estrangeiros, como Egidio Viterbo, Giovanni Baptista Mantuano, Francesco Albertini, Albert Dürer, além de Thomas More. Esta aura mítica que se criou em torno das façanhas dos portugueses, nas mais remotas paragens do globo, levou Egídio Viterbo a afirmar, em 1507, num sermão proferido em Roma nas festividades que Júlio II promovera para celebrar as nossas vitórias no Oriente, que nada desejava mais no mundo do que ser Português (sobre o discurso de Egidio Viterbo e sua importância, pela repercussão que teve nos temas que figuram na abóbada da Capela Sixtina e na Stanza della Segnatura de Rafael; dedica um capítulo inteiro (capítulo X) ao milenarismo português, sendo cerca de uma dezena de páginas sobre o sonho de Manuel, o venturoso, que projectava uma espécie de império universal e messiânico, sob a égide de Portugal). Neste mesmo ano, o carmelita Giovanni Baptista Mantuano faz o elogio rasgado das viagens marítimas dos portugueses, louva os seus progressos na ciência náutica, o seu papel na expansão e consolidação da Fé. Gil Vicente, no Auto da Fama, escrito em 1510, chama a Manuel I alferes da fé / e rei do mar, Fala da Fama em diálogo com o Italiano, in Gil Vicente).
Este sentimento contagiante de entusiasmo pelas nossas Descobertas, pelo desconhecido, caldeado com o proselitismo cristão, que crê no estabelecimento de uma respublica christiana sob a égide de Portugal, aflora no imaginário dos mais diversos autores, nos anos subsequentes à grande aventura marítima do Gama. É esse mesmo sentimento o grande móbil do entusiasmo descritivo que percorre a literatura nacional, em latim e em vulgar. No tempo de Manuel I, chega-se ao epílogo dessa longa história de descobrir. Vive-se o fausto e o luxo da corte mais prestigiada da Europa, que sustenta a ociosidade e a mania nobiliárquica dos cortesãos, numa Lisboa exótica e cosmopolita (as fontes de riqueza, que sustentavam canais de consumo e não de investimento, o abandono da agricultura, a expulsão dos judeus e o seu massacre em Lisboa, em 1506, iriam contribuir a passos largos para a descapitalização interna, verificada nos reinados de João III, que teve de abandonar as praças de África, e, de forma dramática, no reinado do rei Sebastião I. O tratado De regis institutione et disciplina de Jerónimo Osório (1572) denuncia, de forma insistente, esta realidade). Os Jerónimos e a Torre de Belém tornam-se símbolos da grandeza do império e impõem um estilo arquitectónico que recebeu a designação de manuelino. A corte é animada nos seus serões pelo teatro de Gil Vicente, que a rainha dona Leonor, viúva de João II, protegia, pela poesia palaciana, pela música, em que Manuel I era aficcionado e o jovem da corte Damião Góis era perito (conhecido é o apreço de Erasmo pela música de Damião Góis e o deleite que ela lhe trouxe e à família erasmiana, nos anos em que o humanista luso foi seu hóspede em Lovaina). Até aos moços negros do paço mandava o rei ensinar a Gramática.
Era esta a realidade em que se movia a consciência crítica e racional, o espírito empreendedor e magnificente de Diogo Sousa. Encontrando-se em Itália, na embaixada ao papa de 1505, ao regressar a Portugal, faz a entrada solene na cidade de Braga, sede do seu arcebispado, em 22 de Novembro deste mesmo ano. Estas festas, na sua espectacularidade, na sua pompa, são, pelo seu simbolismo, uma expressiva afirmação do poder espiritual da Igreja de Roma, em tempos de Savonarola e de prenúncios da Reforma, e uma oportunidade única de o novo antístite se apresentar à arquidiocese e, sobretudo, de dimensionar o seu poder de Senhor e arcebispo, como competia a um verdadeiro princeps do Renascimento, já que o arcebispado era simultaneamente um potentado político (a importância das festas, das entradas solenes, no Renascimento, à maneira dos triunfos romanos, reveste-se de um simbolismo político, social e também religioso; entre nós, estavam ainda bem presentes, na memória de todos, a entrada da princesa dona Isabel, esposa do príncipe Afonso, em Évora, e a de dona Maria, esposa de Manuel I, em Santarém, nas quais Cataldo profere, ou simplesmente compõe, porque, no segundo caso, não chegou a ser proferida, a oratio laudatória)». In Nair de Nazaré Castro Soares, O Arcebispo de Braga, Diogo Sousa, Principe Umanizzato do Renascimento. O seu projecto educativo moderno, Revista Humanitas nº LXIII, Universidade de Coimbra, 2011, ISSN 0871-1569.

Cortesia de RHumanitas/JDACT