sábado, 16 de janeiro de 2021

A Catedral do Mar. Ildefonso Falcones. «Depois de cinco anos de duro trabalho como aprendiz, Grau conseguiu a categoria de oficial. Seguiu as ordens do mestre que, satisfeito com as suas qualidades, começou a pagar-lhe um soldo»

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Servos da terra. Ano de 1320. Quinta de Bernat Estanyol Navarcles. Principado da Catalunha

«(…) Bernat tentou em vão assimilar todos aqueles nomes, mas quando ia voltar a perguntar, o homem já tinha desaparecido. Segue por esta mesma rua até à Praça de Sant Jaume, repetiu para Arnau. Disso lembro-me. E uma vez chegados à praça, voltamos a virar à direita, disso também nos lembramos, não é verdade, meu filho? Arnau parava de chorar sempre que ouvia a voz do pai. E agora?, disse em voz alta. Encontrava-se numa nova praça, a de Sant Miquel. Aquele homem só falou de uma praça, mas não nos podemos ter enganado. Bernat tentou perguntar a um par de pessoas, mas nenhuma se deteve. Todos têm pressa, comentou para Arnau, precisamente quando viu um homem parado em frente à entrada de..., um castelo? Aquele ali não parece ter pressa; talvez... Bom homem..., chamou, por detrás do homem, tocando-lhe na capa negra. Até Arnau, fortemente agarrado ao seu peito, se sobressaltou quando o homem se virou, tal foi o susto de Bernat. O ancião judeu abanou cansadamente a cabeça. Era aquilo que as acesas prédicas dos sacerdotes cristãos conseguiam. Diz-me, respondeu-lhe. Bernat não conseguia afastar o olhar da rodela vermelha e amarela que cobria o peito do ancião. Depois, olhou para o interior daquilo que lhe parecera um castelo amuralhado. Todos os que entravam e saíam eram judeus! Todos traziam aquele sinal. Seria permitido falar com eles? Querias alguma coisa?, insistiu o ancião. Co..., como se chega ao bairro dos oleiros? Segue sempre a direito por esta rua, indicou-lhe o ancião com um gesto da mão, e chegarás ao portal da Boquería. Continua pela muralha até ao mar, e na porta seguinte fica o bairro que procuras.

Afinal de contas, os curas só tinham avisado que não se podia ter relações carnais com eles; por isso a Igreja os obrigava a usar aquelas rodelas, para que ninguém pudesse alegar ignorância sobre a condição de qualquer judeu. Os curas falavam sempre deles com grande exaltação e, no entanto, aquele velho... Obrigado, bom homem, respondeu Bernat esboçando um sorriso. Eu é que te agradeço, respondeu-lhe o velho. Mas daqui para a frente procura que não te vejam a falar com um de nós..., e muito menos a sorrir-nos. O velho cerrou os lábios num esgar de tristeza.

No portão da Boquería, Bernat deu com um grande grupo de mulheres que compravam carne: tripas e cabra. Durante uns instantes, observou como elas avaliavam a mercadoria e discutiam com os vendedores. Esta é a carne que tantos problemas ocasiona ao nosso senhor, disse para o filho. Depois, riu-se ao pensar em Llorenç de Bellera. Quantas vezes o vira a tentar amedrontar os pastores e ganadeiros que abasteciam de carne a cidade condal! Mas só se atrevia a isso, a amedrontá-los com os seus cavalos e com os seus soldados; quem levasse gado para Barcelona, onde só podiam entrar animais vivos, tinha direito de pasto em todo o principado. Bernat contornou o mercado e desceu para Trentaclaus. As ruas eram mais largas e, à medida que se aproximava do portão, observou que, diante das casas, dezenas de objectos de cerâmica secavam ao sol: pratos, malgas, panelas, jarros ou ladrilhos. Procuro a casa de Grau Puig, disse a um dos soldados que vigiavam o portão.

Os Puig tinham sido vizinhos dos Estany ol. Bernat recordava-se de Grau, o quarto de oito famélicos irmãos que não conseguiam encontrar nas suas escassas terras comida suficiente para todos. A mãe de Bernat gostava muito deles, porque a mãe dos Puig a ajudara a parir o próprio Bernat e a irmã. Grau era o mais desenvolto e mais trabalhador dos oito; por isso, quando Josep Puig conseguiu que um parente admitisse um dos seus filhos como aprendiz de oleiro em Barcelona, ele, com dez anos, fora o escolhido. Mas se Josep Puig não podia alimentar a família, dificilmente ia poder pagar as duas quartas de trigo branco e os dez soldos que o parente lhe pedia para tomar a seu cargo Grau durante os cinco anos de aprendizagem. A isso seria preciso somar os dois soldos que Llorenç de Bellera exigira por libertar um dos seus servos, e a roupa que Grau teria de levar para os dois primeiros anos de aprendizagem, porque o mestre só se comprometia a vesti-lo durante os três últimos anos. Por isso, o pai Puig acorreu à casa dos Estany ol, acompanhado do seu filho Grau, pouco mais velho que Bernat e a irmã. O louco Estany ol escutou a proposta de Josep Puig com atenção: se dotasse a sua filha com aquelas quantidades e as adiantasse a Grau, o seu filho casaria com Guiamona aos dezoito anos, quando já fosse oficial oleiro. O louco Estany ol olhou para Grau; em algumas ocasiões, quando a família do rapaz já não dispunha de outro recurso, tinha ido ajudá-los nos campos. Nunca pedira nada, mas regressara sempre a casa com alguma verdura ou algum cereal. Tinha confiança nele. O louco Estany ol aceitou.

Depois de cinco anos de duro trabalho como aprendiz, Grau conseguiu a categoria de oficial. Seguiu as ordens do mestre que, satisfeito com as suas qualidades, começou a pagar-lhe um soldo. Aos dezoito anos cumpriu a sua promessa e casou com Guiamona. Filho, disse Estany ol a Bernat, decidi dotar de novo Guiamona. Nós somos apenas três e temos as melhores terras da região, as mais extensas e as mais férteis. Eles podem precisar desse dinheiro. Pai, interrompeu-o Bernat, porque me estás a dar explicações? Porque a tua irmã já teve o seu dote, e tu és o meu herdeiro. Esse dinheiro pertence-te. Faça o que lhe parecer adequado.

Quatro anos depois, aos vinte e dois, Grau apresentou-se ao exame público que se realizava na presença de quatro cônsules da confraria. Realizou as suas primeiras obras: um jarro, dois pratos e uma escudela, sob o olhar atento daqueles homens, que lhe outorgaram a categoria de mestre, o que lhe permitia abrir a sua própria oficina em Barcelona e, claro, usar o selo distintivo dos mestres, que devia ser estampado, prevenindo possíveis reclamações, em todas as peças de cerâmica que saíssem da sua oficina. Grau, em honra do seu apelido, escolheu o desenho de uma montanha». In Ildefonso Falcones, A Catedral do Mar, 2006, Bertrand Editora, 2009, ISBN 978-972-251-511-5.

 Cortesia de BertrandE/JDACT

JDACT, Barcelona, Escrita, Ildefonso Falcones,