quinta-feira, 20 de abril de 2023

A Herança Messiânica. Michael Baigent, Richard Leigh, Henry Lincolin. «Um único exemplo pode ilustrar esse processo. Segundo todos os quatro Evangelhos, Pilatos afixou na cruz uma inscrição que trazia o título Rei dos Judeus. Afora isso, os Evangelhos…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Para fazer justiça ao Jesus da história, devemos nos despir efectivamente de nossas ideias preconcebidas, especialmente aquelas alimentadas pela tradição posterior. Devemos estar preparados para contemplar os elementos bíblicos tão desapaixonadamente quanto poderíamos contemplar crónicas relativas a César ou a Alexandre... ou a Cortés. E ternos de nos abster de actos ou crenças a priori. Na verdade, pode-se pôr em questão a sensatez de acreditar ou desacreditar. A palavra crença pode sem dúvida ser perigosa, uma vez que implica um acto de fé que muitas vezes pode ser injustificado. As pessoas estão demasiado dispostas a matar em nome da crença. Ao mesmo tempo, desacreditar é igualmente um acto de fé, uma presunção tão carente de fundamento quanto a crença. A descrença, tal como exemplificada pelo ateu militante ou pelo racionalista, por exemplo, é em si mesma uma outra forma de crença. Dizer que não acreditamos em telepatia, ou em fantasmas, ou em Deus é tanto um acto de fé quanto não acreditar neles.

É preferível pensar em termos de conhecimento. Em última análise, a questão é bastante simples. Ou sabemos alguma coisa de maneira imediata, directa e em primeira mão, ou não sabemos. Um homem que toca num fogão quente não precisa acreditar na dor. Ele conhece a dor; experimenta a dor; a dor é uma realidade que ele não pode pôr em dúvida. Um homem que recebe um choque eléctrico não indaga a si mesmo se acredita na forma de energia conhecida como eletricidade. Experimenta alguma coisa cuja realidade não pode ser negada, seja qual for a palavra que se associe a ela. Mas se estamos lidando com algo diverso desse tipo de conhecimento empírico, se, em suma, não sabemos pessoalmente, no sentido que acabamos de explicar, a única coisa honesta que podemos dizer é que não sabemos. No que diz respeito aos atributos teológicos conferidos a Jesus pela tradição cristã, simplesmente não sabemos.

Dentro do espectro geral das coisas não sabidas, praticamente tudo é possível. Mas, com base na nossa própria experiência, com base na história e no desenvolvimento humanos, algumas delas são mais possíveis que outras, mais ou menos plausíveis, mais ou menos prováveis que outras. Se formos honestos, só nos resta reconhecer essa situação, que todas as coisas são possíveis, mas algumas são mais possíveis que outras. Isso equivale a um simples equilíbrio entre probabilidades e plausibilidades. Que acontecimentos teriam sido mais ou menos plausíveis? O que está mais de acordo com a experiência da humanidade? Na falta de conhecimento verdadeiramente conclusivo sobre Jesus, parece-nos mais plausível, mais provável, mais de acordo com nossa experiência humana supor que um homem ter-se-ia se casado e tentado recuperar o trono que lhe era de direito do que admitir que teria nascido de uma virgem, caminhado sobre as águas e levantado de seu túmulo. No entanto, também esta conclusão deve permanecer, forçosamente, hipotética. É uma conclusão reconhecida como possibilidade mais plausível, não adoptada como um credo.

Um único exemplo pode ilustrar esse processo. Segundo todos os quatro Evangelhos, Pilatos afixou na cruz uma inscrição que trazia o título Rei dos Judeus. Afora isso, os Evangelhos não nos dizem praticamente nada a respeito. Em João 6:15 há a curiosa afirmação de que Jesus percebeu que eles iriam chegar e levá-lo para fazê-lo rei; fugiu então de novo para a montanha, sozinho.. E em João 19:21-22: Em vão os altos sacerdotes dos judeus disseram a Pilatos, Não deveríeis escrever Rei dos judeus, mas Este homem disse: Eu sou rei dos judeus. Pilatos respondeu: O que escrevi está escrito. Não há, porém, nenhuma elaboração ou elucidação destas passagens. Não nos é dada nenhuma indicação real de que o título era justificado ou não, oficial ou não, reconhecido ou não. Tampouco nos é dada qualquer indicação sobre como, precisamente, Pilatos pretendia que a designação fosse entendida. Qual era sua motivação? Que pretendia com isso?» In Michael Baigent, Richard Leigh, Henry Lincolin, A Herança Messiânica, 1994, Editora Nova Fronteira, 1994, ISBN 978-852-008-568-5.

Cortesia ENFronteira/JDACT

 JDACT, Michael Baigent, Richard Leigh, Henry Lincolin, Literatura, Religião, Crónica,