quinta-feira, 6 de abril de 2023

Alexandre VI. Volker Reinhardt. «… direito da família e do casamento. Nesse domínio sensível, os canonistas tinham criado uma infinidade de obstáculos, restrições e proibições que exigiam decididamente a concessão de derrogações»

Cortesia de wikipedia e jdact

De Xátiva a Roma. 1378-1458. As Origens dos Bórgias

«(…) Aqui residia, de facto, o risco para a eleição papal. Em que medida se poderia prever o comportamento de um candidato após ser elevado a papa? A austeridade e o rigor do cardeal de Valência seriam uma garantia contra surpresas desagradáveis, calculavam seus eleitores. Assim, em 8 de Abril de 1455, foi cumprida a profecia de Vicente Ferrer, e Alonso Borja subiu ao trono de Pedro como Calisto III. Como todos sabiam, ele era um homem com família. Em outras palavras: o que não faltavam eram potenciais nepotes. O facto de os eleitores não terem visto isso como um obstáculo está possivelmente relacionado ao problema de o nepotismo ser considerado, em grande parte, coisa do passado, não apenas por meio da moderação imposta pelos próprios papas, mas também pela delicada pressão por parte do cardinalato. Ambos tinham contribuído para que, nos dois últimos pontificados, não tivessem sido observadas situações desagradáveis a esse respeito. O papa recém-eleito poderia nomear cardeal um sobrinho qualquer ou, se necessário, melhorar o estilo de vida de parentes mais próximos. Assim versavam as regras vinculativas de decência que se orientavam numa categoria aristocrática de nepotes, mas de forma alguma principesca ou mesmo dominante.

Comparado ao nepotismo igualmente aventureiro e caótico de Bonifácio IX (1389-1404), que concedeu a seus numerosos parentes napolitanos metade da região do Lácio, como também abundantes prestimónios, isso já era um passo à frente. A inviolabilidade desses padrões precisava, no entanto, ser colocada à prova.

Desse modo, todas as atenções se voltaram ao idoso homem de Xátiva e seus jovens sobrinhos. Do ponto de vista do rigoroso moralista, para o qual o papa não tinha parentes consanguíneos, mas apenas espirituais, e precisamente em todos os lugares onde reinavam o mérito e o merecimento, o início foi marcado por uma positiva surpresa. No começo, fez-se pouco em termos de apoio à família. Rodrigo Bórgia e seu primo Luís Juan Mila foram agraciados com lucrativos benefícios, mas permaneceram estudando Direito em Bolonha. Porém, a alegria dos zelanti, que eram os reformadores zelosos, não iria durar muito. Em Fevereiro de 1456, a nomeação simultânea de Rodrigo e Luís Juan Mila a cardeais pôs fim a todas as esperanças de conter o nepotismo. Pior ainda: estava violada a regra mais importante da ainda recente autorrestrição. Acrescente-se a isso que esses dois chapéus vermelhos foram só o começo. Calisto III tinha agora pressa em elevar o prestígio de sua família. Provavelmente, temia já ter esperado demais. Aparentemente, os escrúpulos iniciais que se opuseram à promoção intensiva de seus parentes de sangue tornaram-se obstáculos definitivamente eliminados. Só é possível presumir de que maneira se deu essa mudança de atitude: por sugestões ao pé do ouvido de conselheiros que perseguiam seus próprios interesses, mas provavelmente também pelos pedidos ou exigências dos próprios sobrinhos.

Esses não podiam agora se queixar da moderação de seu tio. O mais enérgico e persuasivo dos dois novos purpurados, Rodrigo, tornou-se vice-chanceler em 1457, passando a ocupar o mais importante e lucrativo posto dentro da cúria depois do papado. As tarefas associadas a essa função consistiam em cuidar da torrente de solicitações de concessão de indulgências que chegavam a Roma vindas de toda a cristandade. O papa reservava-se o direito de tomar decisões apenas em casos ligados a círculos políticos mais amplos, mas, geralmente, apreciava essas causes célebres depois de uma prévia avaliação de seu vice-chanceler. Dessa maneira, esse último assumiu uma posição-chave. A jurisdição clerical estava longe de ser apenas responsável por litígios dentro do clero, mas também por grande parte do direito da família e do casamento. Nesse domínio sensível, os canonistas tinham criado uma infinidade de obstáculos, restrições e proibições que exigiam decididamente a concessão de derrogações». In Volker Reinhardt, Alexandre VI, Bórgia, o papa sinistro, 2011, Editora Europa, 2012, ISBN 978-857-960-127-9.

Cortesia de EEuropa/JDACT

JDACT, Volker Reinhardt, Vaticano, Escrita,