sábado, 22 de abril de 2023

A Herança Messiânica. Michael Baigent, Richard Leigh, Henry Lincolin. «Nem a televisão nem as empresas editoriais ficaram cegas para as possibilidades. Desde 1982, vários novos livros foram lançados. Em 1983, The ilIusionist, um romance de Anita Mason, propôs uma perspectiva controversa…»

Cortesia de wikipedia e jdact

 «(…) Ainda assim, há sinais de que a situação começa a mudar lentamente. Pode ser, é claro, que esses sinais sejam enganosos ou ilusórios, e que o pêndulo volte a oscilar em favor da fé simples, e que os frutos dos estudos históricos continuem a ser ignorados ou silenciados. Nesse aspecto, o contágio do fundamentalismo norte-americano é sem dúvida um mau agouro. Seja como for, há no ar diferentes sinais de melhora, numerosos a ponto de corresponder, em escala modesta, a uma espécie de Zeitaeist, um espírito, ou corrente, ou movimento que se espalha pelo mundo.

Durante os anos em que fizemos nossa pesquisa, muitas outras publicações já estavam em circulação, ajudando a criar um clima favorável. Na década de 1970, pelo menos dois romances, um deles um trabalho literário sério, bem-visto pela crítica, partiram da hipótese da descoberta do corpo mumificado de Jesus. Outro romance popular pôs os Evangelhos em questão, sugerindo a existência de um novo corpus de relatos bíblicos de primeira mão, e este livro foi transformado numa minissérie de televisão. Em sua monumental obra Terra nostra, certamente um dos doze mais importantes romances publicados em qualquer língua desde a Segunda Guerra Mundial, o respeitado romancista mexicano Carlos Fuentes descreve como Jesus escapou da morte por meio de uma crucificação fraudulenta, envolvendo um substituto. Pelo menos um romance, Magdalene, de Carolyn Slaughter, apresenta Madalena como amante de Jesus. E Liz Greene, inspirando-se na nossa própria pesquisa, escreveu sobre uma linhagem que descenderia de Jesus em The Dreamer of the Vine, um romance sobre Nostradamus publicado em 1980.

No que diz respeito a trabalhos mais académicos, os manuscritos de Nag Hammadi foram publicados pela primeira vez em tradução inglesa em 1977 e, em menos de dois anos, inspiraram o best-seller de Elaine Pagel, The Gnostic Gospels. Morton Smith, que havia divulgado seus achados sobre a Igreja primitiva em The Secret Gospel, traçou em seguida um controverso retrato de Jesus em Jesus the Magician. Haim Maccoby voltou sua atenção para o Jesus histórico em Revolution in Judaea e o mesmo fez Geza Vermes em obras como Jesus the Jew. A série de estudos que Hugh Schonfield está desenvolvendo sobre a Palestina do século I foi sendo publicada a intervalos regulares ao longo da década de 1970. Num nível teológico, alguns clérigos anglicanos suscitaram considerável controvérsia ao pôr em questão a divindade de Jesus numa coletânea de ensaios, The Myth of God lncarnate. Por fim, merece menção The Jesus ScroIl, da autoria do australiano Donovan Joyce, um livro curioso, sem respaldo nos factos, mas fascinante.

Assim, em 1982, quando O santo graal e a linhagem sagrada foi publicado, as águas já haviam sido agitadas por uma onda recente de elementos relativos ao Jesus histórico. É verdade que muita gente ainda não sabe sequer em que medida, por exemplo, os Evangelhos se contradizem entre si. Ou que há outros Evangelhos além dos que constam do Novo Testamento, que foram excluídos do cânon de maneira mais ou menos arbitrária por concílios compostos de homens obviamente mortais, obviamente falíveis. Ou que a divindade de Jesus foi decidida pelo voto no Concílio de Nicéia, cerca de três séculos depois da morte do próprio Jesus. É verdade também que o fundamentalismo continua fanático nos Estados Unidos. E, como observamos antes, ainda há na Grã-Bretanha pessoas capazes de atribuir um incêndio provocado por um raio em York à ira de Deus provocada pela nomeação de um bispo um tanto boquirroto, como se, em meio à violência, à animosidade, ao preconceito, à insensibilidade e aos perigos do mundo moderno, Deus não tivesse mais nada com que se preocupar, nada de melhor para fazer com Seus recursos. E quando esse mesmo bispo faz uma declaração tão óbvia, tão corriqueira, como a de que a Ressurreição não pode ser cabalmente provada, ainda há quem grite blasfêmia ou heresia e peça seu afastamento. Seja como for, há alguma coisa no ar, da qual o próprio bispo é uma manifestação.

Seria falso de nossa parte afectar ignorância quanto ao impacto causado por nosso livro, tanto em vendas como em controvérsia. Pela primeira vez, desde Passo ver Plot, de Hugh Schonfield, de 1963, algumas questões relativas ao Novo Testamento, a Jesus e à origem do cristianismo foram levantadas para o público leitor em geral, para o chamado mercado de massa, e não para um punhado de especialistas académicos e teólogos. E ficou patente que o grande público leitor estava não só preparado, mas positivamente ávido por ouvir.

Nem a televisão nem as empresas editoriais ficaram cegas para as possibilidades. Desde 1982, vários novos livros foram lançados. Em 1983, The ilIusionist, um romance de Anita Mason, propôs uma perspectiva controversa mas historicamente válida sobre a consolidação da Igreja primitiva; foi incluído na lista final de indicações para o Booker Prize, o mais prestigioso prêmio literário da Grã-Bretanha. Em 1985, Anthony Burgess, de maneira talvez ainda mais controversa, explorou quase o mesmo território em The Kingdom of the Wicked. Uma tempestade incipiente foi provocada pelo romance de Michele Roberts, The Wild Girl. Inspirando-se, como nós, em dados dos manuscritos de Nag Hammadi, Michele Roberts apresenta Madalena como amante de Jesus e mãe de seu filho. Publicado em brochura em 1985, The Wild Girl provocou medonhas fulminações, não somente de grupos de pressão, como era previsível, mas também de um pretenso Torquemada com assento no Parlamento; até que avaliações bem mais lúcidas tivessem conseguido se impor, o livro ficou sob a ameaça de acção penal nos termos da antediluviana lei britânica da blasfêmia». In Michael Baigent, Richard Leigh, Henry Lincolin, A Herança Messiânica, 1994, Editora Nova Fronteira, 1994, ISBN 978-852-008-568-5.

 Cortesia ENFronteira/JDACT

 JDACT, Michael Baigent, Richard Leigh, Henry Lincolin, Literatura, Religião, Crónica,