sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Hipátia de Alexandria. José Petrúcio F. Júnior. «Até meados da década de 80, muitos historiadores, entre eles T.S. Eliot, (1944), Bernard Knox, em (1994) e Allan Bloom em (1987), viam a liberdade de criação da indústria cinematográfica com certa indignação e desprezo pela literatura clássica…»

Cortesia de wikipedia

Prefácio

«Como salienta Winkler (2005, p. 688), nevertheless, it is the cinema

and its offshoot, television, that today keep the Homeric epics before the eyes of millions worldwide, if often in rather loose adaptations. Em 2007, na esteira do impacto do filme Troia sobre a academia, Winkler publica a coletânea Troy. From Homer’s Iliad to Hollywood Epic (Oxford, Blackwell), com seu texto Iliad and the cinema, cujas questões escolhidas para analisar sinalizam possibilidades metodológicas para este campo emergente de estudos e reflexões, apontando a importância de se estudar a presença no cinema de temas extraídos/oriundos do universo da Antiguidade.

De certo modo, é de se prever que, do outro lado da trincheira, a renovação do olhar da academia sobre o que a sétima arte anda fazendo na sua recepção e usos da Antiguidade gere também um novo contexto para o produzir e dirigir filmes inspirados na Antiguidade. E é neste contexto que, em 2009, estreia o filme Agora, do cineasta chileno-espanhol Alejandro Amenábar, até então conhecido por suas produções no género do terror, trazendo agora para a tela sua leitura da vida da matemática, filósofa neoplatónica e professora Hipátia de Alexandria.

Excelente produção, não exerceu tanto impacto sobre o grande público, mas, inversamente, foi acolhida com muito interesse pela academia, visto trazer no bojo da sua narrativa questões muito contemporâneas, como a agência feminina e a intolerância cultural, temas hoje ainda mais actuais e pungentes que à época do lançamento do filme. José Petrúcio Farias Júnior é um historiador atento a diferentes liames entre o presente e a Antiguidade, entre o Brasil e Grécia & Roma. Não em um sentido passivo de um legado grandioso e civiliza tório que se imponha sobre nós, como herança a ser louvada como algo superior a outras vertentes histórico-culturais. Mas sim no sentido da presença da Antiguidade, que não ocorre por uma passividade do presente, ou de um Brasil colonizado. Ocorre por meio de contínuos processos de reinvenção do Antigo, pelos vários presentes que se sucedem em vários lugares, processo que vai acontecendo ao longo de inúmeras camadas de tempo. José Petrúcio encara a complexidade destes processos, abdicando de uma compreensão superficial destes fenómenos de presença do Antigo.

Em sua primeira obra, como já sugere seu título,  História Antiga: trajetórias, abordagens e metodologias de ensino,  ele analisa em profundidade diacrónica como se desenvolveu em nosso país, desde o período colonial, o ensino da História Antiga. Partindo desta erudição necessária ao trato aprofundado do tema, o autor encara debates contemporâneos,  muitas vezes bastante acalorados, com referência aos comos e porquês do ensinar História em nosso país. Trata-se de um historiador jovem, pertencente a uma nova geração de investigadores  preocupada em se perguntar,  e também responder  sobre por que se pesquisar e ensinar hoje e no Brasil a História Antiga. Em sua primeira obra, a questão do cinema já estava apontada como uma das possibilidades metodológicas. E é amarrando com esse ponto que inicia e conclui sua segunda obra, Hipátia de Alexandria: história e cinema.

José Petrúcio inicia com o debate sobre as abordagens teórico-metodológicas para se tratar um filme como fonte histórica, para tanto analisando também como a narrativa fílmica, pela síntese operada pelo director, dá voz a múltiplas vozes que discorrem sobre o assunto narrado, da Antiguidade, da tradição historiográfica moderna, assim como de outras influências recentes ou antigas. Mas o cineasta tudo isto mistura de acordo com um modo seu de narrar o passado partindo de como, para ele, este passado permite ver questões pungentes da sociedade do presente, não sendo preocupação ou sequer dever seu, como cineasta, a mesma sorte de compromissos que guiam a actuação do historiador, do arqueólogo ou do filólogo na sua relação com a Antiguidade. (…)

O Cinema e os Estudos Clássicos

O sucesso de Gladiador (2000), por Ridley Scott, e das minisséries Roma (2005-2007), pela HBO, Spartacus (2004), pela Starz, e Helena de Troia (2003), por Kent Harrison, energizaram os estudos sobre a Antiguidade Clássica, especialmente no tocante à sua recepção pelo cinema, o que tem oportunidade aos historiadores da Antiguidade mais um tipo de fonte histórica para análise. Sob essa óptica, para Kirsten Day, nas quatro últimas décadas, o estudo sobre as representações da Antiguidade em produções cinematográficas têm crescido em várias subáreas dos estudos clássicos e é actualmente reconhecida como uma forma legítima de explorar e questionar a construção de um passado clássico em diálogo com demandas de nosso tempo..

Até meados da década de 80, muitos historiadores, entre eles T.S. Eliot, em What is a Classic? (1944), Bernard Knox, em Backing into the Future: the Classical Tradition and its Renewal (1994) e Allan Bloom em The Closing of the America Mind (1987), viam a liberdade de criação da indústria cinematográfica com certa indignação e desprezo pela literatura clássica e pelos esforços investigativos dos estudos clássicos na Academia, para quem a popularidade crescente dos filmes históricos sobre a Antiguidade, em vez de valorizar e fomentar os estudos clássicos, empobrecia-os (Wyke, 1997)». In José Petrúcio F. Júnior, Hipátia de Alexandria, 2022, RFB Editora, 2022 ISBN 978-655-889-6.

Cortesia de RFBEditora/JDACT

JDACT, Hipátia de Alexandria, Matemática, Filósofa, Conhecimento, Antiguidade,