segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Isabel de Castela. Giles Tremlett. «Ela compreendia intuitivamente, como diria Maquiavel, que governar é fazer crer. Ela também queria assegurar que sua versão da história, em que ela aparece como uma figura santa, que oferece um amor severo…»

jdact e cortesia de wikipedia

A primeira grande rainha da Europa

«Ainda assim, muitas pessoas sentiam-se agradecidas, pois essa mesma severidade inflexível trouxe estabilidade e segurança às suas vidas quotidianas, protegendo-as da violência do populacho, da ganância dos Grandes e da crueldade fortuita daqueles que desprezavam com arrogância as leis de Castela. A aparente calma de Isabel escondia não só uma ferrenha força de vontade, como também um conceito elevado de seu lugar na história e um desejo de fama duradoura que levaram sua ambição muito além das tradicionais fronteiras de Castela. Navios do vizinho Portugal já estavam aventurando-se em águas distantes do Atlântico e para o sul, ao longo da costa da África.

Sob a liderança de Isabel, com a ajuda do talentoso e excêntrico navegador genovês (português?) Cristóvão Colombo, Castela pressionou mais e mais para oeste, descobrindo todo um Novo Mundo que lhe angariou glória, poder e ouro. Isso também quadruplicou o tamanho geográfico do que viria a ser denominado civilização ocidental e ajudou a provocar uma mudança tectónica no poder global. Era, em muitos aspectos, o milagre pelo qual a conflituosa cristandade estivera esperando.

Tudo isso foi conseguido, em parte, porque Isabel começou o processo de impor o que outros príncipes e monarcas em toda a Europa se esforçavam para instalar, um novo tipo de domínio real que reduzia o poder político dos senhores feudais e concedia mais a uma nova classe de leais e dependentes burocratas reais. Era uma transição ousada e inteligente, não revolucionária, mas ainda assim profundamente transformadora, e tudo feito, ironicamente, com apelo à tradição. Em seu desejo de angariar o máximo poder possível para a coroa, uma precursora das monarquias absolutistas dos séculos posteriores, ela governava em pé de igualdade com seu marido, Fernando, cujos reinos menores de Aragão por fim lhes deu o controle conjunto da maior parte da Espanha contemporânea, embora esse tipo de governo fosse muito mais fácil de implantar em Castela.

Na verdade, seu maior acto político foi forjar uma aliança com Fernando que era ao mesmo tempo única e claramente compreendida por ambos, embora provocasse, e continue a provocar, confusão. Algumas pessoas ficavam surpresas e diziam Como? Há dois monarcas em Castela?, perguntou um perplexo visitante da Inglaterra, escrevendo em francês. Eu escrevo monarcas porque o rei é rei por causa da rainha, por direito de casamento, e porque eles se denominam monarcas. Até mesmo observadores contemporâneos, portanto, tentaram compreender esse fenómeno ímpar com explicações mais extravagantes, pintando a rainha tanto como uma companheira silenciosa e subserviente a Fernando ou, por outro lado, como uma megera dominadora. No entanto, o nós real empregado em suas cartas reflectia a realidade, pois a assinatura de Isabel era também a de seu marido e vice-versa, ao menos em Castela, pois as leis de Aragão a tornaram rainha consorte e, na prática, o sócio minoritário lá.

Um dos maiores problemas para um biógrafo de Isabel é separar o papel do marido e o da esposa, embora isso seja uma tarefa inútil. Se uma das primeiras e mais importantes decisões de Isabel foi a de se casar com Fernando e outra tenha sido compartilhar o poder quase como iguais, então ela também merece crédito pelas acções de seu marido. As glórias dele eram dela também (assim como as dela eram dele) e devem ser acrescentadas, e não subtraídas, de suas realizações individuais. Seus fracassos e excessos também devem ser compartilhados, mas a descoberta precoce do casal de que duas pessoas cuja parceria baseia-se na lealdade e na confiança absoluta na capacidade de que juntos podem fazer muito mais do que uma única pessoa sozinha é a chave para a compreensão do reinado de Isabel.

Essa era a melhor expressão do amor do século XV, na maioria das vezes, uma questão de respeito. No caso de Isabel, este vinha acompanhado de uma paixão possessiva e ciumenta, que seria uma marca de seu carácter intenso e determinado. Outra dificuldade em revelar a verdade sobre a vida de Isabel é o seu gosto pela propaganda. Ela compreendia intuitivamente, como diria Maquiavel, que governar é fazer crer. Ela também queria assegurar que sua versão da história, em que ela aparece como uma figura santa, que oferece um amor severo e redentor a uma nação perdida, iria triunfar. Para isso, Isabel contava com um grupo de cronistas submissos que não só dependiam dela para sua sobrevivência, como quase sempre tinham que submeter seu trabalho à sua aprovação. Este biógrafo tentou usar essas crônicas de maneira criteriosa, levando em consideração os preconceitos dos autores, sem ignorar o facto de que eles em geral foram testemunhas dos momentos mais importantes da carreira de Isabel». In Giles Tremlett, Isabel de Castela, Editora Rocco, 2018, ISBN 978-853-253-099-8.

Cortesia de ERocco/JDACT

 DACT, Giles Tremlett, Espanha, Cultura, Conhecimento,