quinta-feira, 10 de março de 2011

Fundação Robinson: O Convento de São Francisco de Portalegre. Parte IV. A Igreja de S. Francisco de Portalegre. Notas em torno de um programa de musealização. «...âncora e testemunho dessa confluência dinâmica entre memória, herança e criação a que a nova Convenção-Quadro do Conselho da Europa sobre Património Cultural...»

Detalhe do altar-mor da igreja do convento
Cortesia de publicacoesdafundacaorobinson 

Com a devida vénia a António Filipe Pimentel.

«... Porém, reduzir  a uma dimensão local um projecto que tem, inquestionavelmente, na igreja de São Francisco a sua pedra fundacional, seria comprometer as potencialidades que detém do ponto de vista do aludido imperativo de conservação integrada dos bens culturais e da sua indeclinável relevância para as noções (que lhe subjazem) de cidadania aberta e de património comum. De facto, o intrincado (e fascinante) processo de reelaboração perpétua da sua estrutura morfológica, que a presente reabilitação patenteia com notável nitidez, impõe que se colham todas as possibilidades que fornece, porquanto deixa agora o caminho aberto aos historiadores da arte, a quem devolve um elo de particular significado na reconstituição de cadeias formais (não apenas no plano arquitectónico, mas no das artes aplicadas: da retabulária à azulejaria e à pintura a fresco) que podem e devem promover uma mais eficaz compreensão de caminhos que são vias de comunicação em rede, do ponto de vista do património comum: desde logo da arquitectura religiosa e particularmente franciscana (ela mesma uma imensa rede, não só no espaço metropolitano, como no nacional e ultramarino e com elos que se afirmam em claras inter-relações transfronteiriças), mas igualmente das artes em sentido lato (v.g. no trabalho do estuque, que afirma claramente a singularidade de Portalegre e que muito importa, de igual modo, não encarar apenas de uma perspectiva local, mas claramente numa  relação supranacional, único modo de compreender o fenómeno em toda a sua extensão e riqueza: estética, desde logo, mas igualmente social e económica).

Aspecto de uma das capelas colaterais
Cortesia de publicacoesdafundacaorobinson

A igreja de São Francisco de Portalegre contém, assim, em escala não comum, a um tempo pela sua dimensão original  de sede de um paradigmático cenóbio menorita, pelo destino (que comunga com outros) de reafectação ao uso fabril que lhe seria outorgado pelas circunstâncias históricas que lhe coube viver e, finalmente, pelo presente programa de reabilitação (ao convertê-la em núcleo museológico, no quadro do alojamento da Colecção Sequeira e no âmbito, mais vasto, do Espaço Robinson que em seu redor se desenvolve e articula), uma capacidade de trabalhar em rede que seria grave erro negligenciar, ou subvalorizar ao firmar as linhas do seu programa de musealização.
Programa que, naturalmente, deverá desde logo assentar a sua base mobilizadora entre os equipamentos culturais e museológicos sedimentados no próprio município: o Museu Municipal, onde se recolhe um importante acervo, a um tempo de valor histórico, artístico e antropológico, que associa o legado
do Estado Novo, nas suas dimensões eclesiástica e senhorial, ao da sociedade nova sete e oitocentista e mesmo à criação contemporânea; o Museu das Tapeçarias, em associação à respectiva fábrica, onde, pela reconversão operada por Guy Fino, em meados do século XX, se recolhe uma tradição artesanal e fabril que se inscreve entre a velha Fábrica Real, instalada no antigo Colégio de São Sebastião (cuja libertação, por força da expulsão dos Jesuítas, em 1759, constitui vanguarda do processo de extinção geral dos institutos regulares consumado com a legislação de 1834) e a Fábrica Robinson, que haveria de brotar, no século XIX, na cerca do convento Franciscano; a Casa-Museu José Régio, enfim, cuja personalidade e obra literária constituem, elas mesmas, âncora e testemunho dessa confluência dinâmica entre memória, herança e criação a que a nova Convenção-Quadro do Conselho da Europa sobre Património Cultural dá força jurídica e que, de forma pioneira, ilustraria, no coleccionismo cristocêntrico a que se dedicou, a força central e antropológica dessas imagens a cuja recolecção, por sua vez, Rui Sequeira iria dedicar vida, recursos e energia.

Colunas de retábulo, finais século XVIII
Cortesia de publicacoesdafundacaorobinson

Nesse sentido, o desafio que ora se coloca é o de entender a reabilitação da igreja de São Francisco de Portalegre e a própria musealização da Colecção Sequeira, não como um museu, estável e finito, mas como um pólo dinâmico de confluência entre memória, herança e criação, promovendo, por meio do património (e do seu estudo, preservação e divulgação) e do direito dos cidadãos de participarem na vida cultural, o desenvolvimento económico e social da comunidade em que se inscreve. E divulgando, por esse modo, as noções de cidadania aberta e de cultura da paz que só ele pode gerar:
  • por isso mesmo que o património,
  • por natureza,
  • constitui lição, a um tempo material e imaterial,
  • de compreensão, integração e diálogo.

In António Filipe Pimentel, A Igreja de S. Francisco de Portalegre. Notas em torno de um programa de musealização, Fundação Robinson, Publicação 10, 2009, ISSN 1646-7116.

Continua.
Cortesia de Publicações da Fundação Robinson/JDACT